Governo recusa "alterações parcelares e apressadas" à lei laboral

Miguel Cabrita, secretário de Estado do Emprego, garante que até ao final do ano o Governo vai promover o debate sobre o Livro Verde sobre as Relações Laborais e só depois haverá alterações legislativas. Fim do corte de 10% para quem recebe valor mínimo do subsídio de desemprego avança já.

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Miguel Cabrita, secretário de Estado do Emprego, destaca o elevado número de trabalhadores com horários flexíveis Enric Vives-Rubio

Qual o dado que mais o surpreendeu no Livro Verde sobre as Relações Laborais (LVRL)?
Boa parte dos elementos apresentados no LVRL vem confirmar ou aprofundar ideias que já existiam. Um dado surpreendente pela sua expressão tem a ver com o facto de uma boa parte dos empresários declararem que utilizam formas de adaptabilidade e de flexibilidade interna.

O documento diz que são 77% os trabalhadores por conta de outrem com modalidades flexíveis de horários. Há riscos associados a esta realidade?
Há sempre riscos. Mas hoje dificilmente boa parte das actividades económicas podem ser competitivas ou ter algum grau de sustentabilidade sem alguns mecanismos de adaptabilidade. O que é importante é termos um quadro de regulação que consiga controlar os riscos que essa adaptabilidade tem e um dos mecanismos para acautelar esses riscos é a dimensão negocial. Quando os mecanismos de adaptabilidade são acordados por contratação colectiva há um risco mais controlado dos impactos negativos.

O controlo do tempo de trabalho é uma das infracções mais frequentes detectadas pela Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT). Isso, aliado à elevada percentagem de trabalhadores com flexibilidades de horários, não o preocupa?
É precisamente por essa razão que é muito importante que a adaptabilidade seja negociada, porque quando isso não acontece os riscos são maiores.

O banco de horas teve um forte aumento entre 2012 e 2014, mas abrange menos de 2% dos trabalhadores. Mantém-se a intenção de eliminar o banco de horas individual?
O banco de horas identificado muitas vezes como uma questão estruturante para a vida das empresas não o é, porque existem outros mecanismos de flexibilidade. O banco de horas parece ser um mecanismo dos menos importantes, em parte por ser ainda muito recente, mas muito provavelmente porque é um instrumento muito mais regulado, pensado para actividades mais industriais e de mão-de-obra intensiva e para ser utilizado colectivamente. O Governo entende que ele deve situar-se na esfera da negociação colectiva.

Ainda assim é preciso simplificá-lo?
Esse é o tipo de questão que queremos aprofundar com os parceiros sociais. Temos a nossa apreciação sobre o que esta figura deve ser, mas só faz sentido alterar modelos quando há uma avaliação partilhada de como são utilizados, em que contextos e quais as dificuldades.

As outras formas de adaptabilidade do tempo de trabalho devem também depender da contratação colectiva?
Depende dos casos e das empresas. O banco de horas é particularmente exigente e tem implicações grandes no tempo de trabalho e no percurso individual de cada trabalhador. Há outras modalidades que podem ser mais facilmente ajustáveis individualmente. Não temos aqui nenhuma posição fechada, antes pelo contrário, de que a adaptabilidade só deve ser usada com negociação colectiva. Já figuras como o banco de horas é aí que fazem sentido.

O LVRL mostra que a incidência dos contratos não permanentes está a aumentar (abrange 30% dos trabalhadores por conta de outrem) e alerta para o expectável aumento da segmentação do mercado laboral. Que resposta está a ser preparada?
O LVRL tem outro dado novo que tem a ver com a distribuição dos contratos permanentes em termos de antiguidade na empresa e o que verificamos é que, entre 2010 e 2014, a percentagem de trabalhadores há menos de quatro anos nas empresas com contratos permanentes desceu de 39% para 29%. É um dado que ilustra bem que a prevalência dos contratos permanentes resulta dos trabalhadores que estão há mais tempo nas empresas, e que muitos dos novos contratos são não permanentes.

As medidas para inverter esta situação vão avançar em breve?
O que o Governo está a fazer para combater a segmentação tem várias dimensões e algumas estão em curso. Há a dimensão de fiscalização -  estamos a reforçar a ACT -, temos o Estado que enquanto empregador não pode ficar isento deste esforço e outra dimensão tem a ver com as políticas activas de emprego, que foram alteradas. Depois há toda a dimensão que tem a ver com a regulação do mercado de trabalho: fizemos o Livro Verde e vamos avançar para uma discussão ao longo deste ano. Mas ao fazer essa discussão, não significa que o Governo tenha abdicado das ideias que tem, pelo contrário queremos que haja uma base de discussão informada. A discussão sobre a regulação do mercado de trabalho não deve ser apressada, nem baseada em convicções ideológicas.

Há um conjunto de questões que já estão em negociação com a esquerda, nomeadamente a penalização dos falsos estágios e dos contratos dissimulados. Há coisas que vão avançar porque já há trabalho feito?
Em relação à lei 63/2013 [que institui mecanismos de combate à utilização indevida de recibos verdes] há já trabalho feito. É uma lei que produziu resultados importantes e que acreditamos que tem margem para ser melhorada.

Continua em cima da mesa a ideia de penalizar as empresas com excessiva rotatividade de mão-de-obra? A solução passa por seguir a norma prevista no Código Contributivo e que está suspensa? Ou seja, agravar a TSU dos contratos a termo em três pontos e reduzir a dos contratos permanentes em um ponto percentual?
Independentemente dos valores, a lógica será sempre a de diferenciar, fazendo um jogo de compensação para premiar aqueles que contratam de forma mais permanente.

Haverá mudanças nos valores?
Vamos trabalhar na concertação social, com base no Livro Verde, e será nessa sede que iremos avaliar com os parceiros sociais se o que faz sentido é revogar a suspensão ou repensar o equilíbrio que agora está previsto na lei.

O LVRL estabelece também uma relação entre as várias modalidades de despedimento e os beneficiários de subsídio de desemprego. O despedimento por inadaptação é muito pouco utilizado. Faz sentido manter-se?
A sua utilização sendo residual é menos residual do que se pensava. Mas ainda assim os dados provam que transformar certos temas em debates ideológicos não nos leva muito longe. Entendemos que o despedimento com as características do despedimento por inadaptação não deve ser mais flexibilizado, porque entramos numa dimensão subjectiva que nos leva para terrenos incertos e que podem levantar outras questões mais complexas. No entanto, também não vemos razão para retirar a figura da lei. O que a realidade prova é que, além da cessação dos vínculos a termo, as cessações por acordo e o despedimento por extinção de posto de trabalho são as dimensões dominantes. Dificilmente podemos considerar que o despedimento por inadaptação é uma questão central do nosso ordenamento laboral.

A cessação de contratos durante o período experimental tem vindo a adquirir dimensão. É preciso fazer ajustamentos?
Se queremos incentivar as empresas à contratação permanente, também é importante que haja um período experimental para que as duas partes se conheçam. Não está nos planos do Governo avançar com nenhuma iniciativa nesse campo. Na concertação social essa, como outras matérias, podem surgir e o Governo estará disponível para conversar com os parceiros sobre as preocupações que forem levantadas.

O documento apresenta dados inovadores sobre as baixas taxas de sindicalização e sobre o associativismo das empresas. Como é que isso se reflecte na capacidade de negociação colectiva?
Os dados que temos são fornecidos pelos empregadores e pode haver trabalhadores que não declaram estar sindicalizados e que pagam as quotas directamente aos sindicatos. Mas isso não apaga que a taxa de sindicalização e de associativismo, embora em dimensões diferentes, é reduzida e isso é motivo de preocupação. Evidentemente que isso coloca problemas vários, desde logo de representação. Mesmo que os dados do Livro Verde não sejam coincidentes com a realidade, é inegável que temos um problema e esse é um dos grandes desafios, desde logo para as organizações sindicais e empresarias. Ambos os lados perdem e enquanto comunidade perdemos todos.

Estes dados dão argumentos extra a quem defende que as portarias de extensão não devem generalizar-se, porque estendem a todo um sector contratos negociados por organizações pouco representativas?
A necessidade das portarias de extensão coloca-se quando não há dinamismo na negociação colectiva. As portarias de extensão, e estabelecendo o paralelismo com as quotas [de igualdade de género], é o instrumento que ninguém deseja mas é importante que exista para corrigir situações piores do que o mecanismo em si.

Agora que o diagnóstico do mercado de trabalho é conhecido qual é o passo que se segue?
O que estamos a prever como metodologia é envolver as academias, os centros de investigação e os próprios parceiros sociais no debate sobre o Livro Verde e, numa segunda fase, sobre as temáticas específicas. O objectivo é que os temas possam ser levados à concertação parcela a parcela até ao final do ano para que, no início do próximo ano, possamos retomar a discussão sobre eventuais alterações.

Até ao final de 2017 não haverá propostas de alteração legislativa?
Em princípio não haverá do lado do Governo propostas de alteração legislativa. O nosso compromisso é no sentido de fechar um debate sobre as várias matérias do livro para depois fundamentar algumas alterações ou afinações que se queiram fazer. O LVRL vem sublinhar alguns desafios que até são partilhados por entidades internacionais, não queremos fazer alterações parcelares e apressadas. Queremos que seja um debate global para que, quando houver alterações, elas sejam feitas de maneira articulada e integrada.

Na semana passada o Parlamento aprovou uma resolução do PS que recomenda ao Governo que elimine o corte de 10% no subsídio de desemprego quando estão em causa pessoas que já recebem o montante mínimo (421,32 euros). A lei vai ser alterada já este ano?
Creio que sim. É algo em que o Governo está a trabalhar. É importante pensar nos efeitos extremos desse tipo de medidas. Um corte de 10% em abstracto é uma coisa, um corte de 10% que leve a protecção social – para a qual as pessoas descontaram – para níveis abaixo dos limiares de subsistência é uma questão que nos interpela. Estamos receptivos a normas-travão que impeçam que se passe abaixo de determinados limiares.

Quando é que os desempregados podem contar com o fim desse corte?
Com a brevidade possível.

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