Trabalhar menos dias por semana e durante mais tempo é solução para um país de velhos?

Projecções do INE para 2080 revelam um Portugal reduzido a 7,5 milhões de habitantes, com 317 idosos por cada 100 jovens. Especialistas lembram que sociedade não pode continuar a "deitar as pessoas para o lixo" só porque atingem os 65 anos.

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Com os expectáveis 317 idosos por cada 100 jovens, o país não poderá continuar a “descartar” os idosos Paulo Pimenta

Portugal caminha a largos passos para se tornar num país de velhos, segundo as projecções do Instituto Nacional de Estatística (INE) divulgadas nesta quinta-feira, que revelam ainda que a população portuguesa não deverá passar dos 7,5 milhões em 2080. Numa previsão moderada (que pressupõe uma recuperação da natalidade até aos 1.55 filhos por mulher em idade fértil e o regresso a um saldo migratório positivo), aquele instituto revela que o índice de sustentabilidade passará das actuais 315 pessoas em idade activa (entre os 15 e os 65 anos) por cada 100 idosos para apenas 137 activos por 100 idosos. Isto entre 2015 e 2080.

O conceito de ‘velho’ tem que se alterar rapidamente. Essa representação que vem de trás, e que leva a que aos 65 ou pouco mais anos se seja considerado velho e tenha que se saltar fora [do mercado de trabalho] tem de mudar”, reage a demógrafa Ana Fernandes.

Porque um país “não será sustentável” com este grau de envelhecimento, a investigadora do Centro de Estudos de Sociologia da Universidade Nova de Lisboa (CESNOVA) aponta a urgência de se avançar com a flexibilização da idade de reforma. “A administração pública atira para o caixote do lixo pessoas com 70 anos por jubilação. Esta jubilação vem desde os primórdios do século passado, mas o quadro mudou substancialmente. Temos para as mulheres uma esperança de vida de quase 85 anos e continuamos a ter os mesmos padrões de quando tínhamos uma esperança de vida de 60 anos”, acrescenta.

Cabeça organizada à moda dos anos 70

“Ainda há bocado estava a ver Marcelo Rebelo de Sousa na televisão que vai fazer 70 anos”, insiste, para precisar que a idade em que se entra na reforma deve ser “flexível e não obrigatória”. Isto porque o que é válido para quem exerce uma actividade intelectual pode não ser para quem tenha profissões manuais. “A ideia não é prolongar o tempo de trabalho indiscriminadamente. É flexibilizar os limiares.”

“Uma sociedade que descarta as pessoas só porque elas atingiram uma determinada idade é uma sociedade condenada”, concorda a demógrafa Maria João Valente Rosa, directora do Pordata, base de dados da Fundação Francisco Manuel dos Santos, para quem “estas projecções só são preocupantes se até 2080 nada mudar”. Ou seja, se “continuarmos com a cabeça organizada à moda dos anos 70, quando a esperança de vida era baixíssima”.

Impõe-se então, e porque “o processo de envelhecimento é inelutável”, alterar o modo de organização social que divide a vida social das pessoas em três períodos distintos: formação, trabalho e reforma. “Persistirmos nesta visão segmentada em que a pessoa aprende, depois trabalha e trabalha e não tem tempo para mais nada, até que chega ao dia em que a sociedade prescinde dela porque atingiu determinada idade, deixou de fazer sentido.”

Valente Rosa lembra que “as pessoas com 65 anos e mais anos de idade estão mais aptas, são mais qualificadas e estão muito mais próximas das novas tecnologias do que no passado”. Do mesmo modo, “os que em 2080 terão 65 ou mais anos de idade não serão uma réplica do presente”.

A semana dos três dias 

No meio da vida, sublinha ainda a demógrafa, convinha que as pessoas pudessem trabalhar menos horas. “É essencial que aprendamos nos primeiros 20 a 30 anos de vida, mas depois a formação tem que ser estimulada ao longo da vida e as pessoas precisam de tempo para isso e para se dedicarem à família. De resto, a ideia de que a produtividade aumenta em função do número de horas que se trabalha já caiu por terra”, sublinha.

Utopia? O empresário mexicano Carlos Slim, há anos que vem propondo a semana de trabalho de três dias, tendo como contraponto o adiamento da idade de reforma até aos 70 ou 75 anos, como resposta ao problema do envelhecimento das sociedades. Numa das suas empresas, a operadora telefónica Telmex, 40% dos trabalhadores aceitaram a oferta.

Ao leque de sugestões, e em nome também de uma aposta na natalidade, a demógrafa Ana Fernandes sugere que, ao mesmo tempo que se flexibiliza a reforma, as pessoas possam, a meio da sua carreira profissional, deixar de trabalhar ou trabalhar menos horas para poderem cuidar dos filhos pequenos sem serem prejudicadas por isso. “As mulheres que queiram investir na família e cuidar dos filhos ficam altamente prejudicadas e uma das formas de promover a natalidade e a equidade entre homens e mulheres era garantir que os anos em que uma mulher deixa de trabalhar para poder cuidar dos filhos pequenos fossem contabilizados para efeitos de reforma”, precisa.

O limiar "psicológico" dos dez milhões

Segundo as projecções de população residente, a população portuguesa poderá ficar abaixo do limiar "psicológico" dos 10 milhões já a partir de 2031, ou seja, dentro de 14 anos. Por volta de 2080, o número de jovens diminuirá de 1,5 milhões para 900 mil, mesmo admitindo alguma recuperação no índice sintético de fecundidade. Actualmente, o número médio de filhos por mulher em idade fértil está nos 1,3 — já muito longe dos 2,1 que seriam necessários para garantir a renovação das gerações. No lado oposto da pirâmide, o número de idosos passará de 2,1 milhões para 2,8 milhões. Tudo conjugado, o índice de envelhecimento mais do que duplicará: passará de 147 para 317 idosos por cada 100 jovens.

No meio da pirâmide, a população activa ficará reduzida dos actuais 6,7 milhões para apenas 3,8 milhões de pessoas. Daí que o índice de sustentabilidade se agrave para as referidas 137 pessoas em idade activa por cada 100 idosos, em vez dos actuais 315.

Estas projecções têm como base um cenário central  que pressupõe uma recuperação da natalidade até às 1,55 crianças por mulher em idade fértil até 2080. Neste cenário central, o INE admite ainda manutenção do ritmo de crescimento da esperança de vida à nascença que, em 2080, se deverá fixar nos 87,38 anos para os homens e nos 92,10 anos para as mulheres. Quanto às migrações, a hipótese central também não é propriamente pessimista, uma vez que considera a possibilidade de recuperação para saldos migratórios positivos, mais precisamente em 12.442 indivíduos. Os dados relativos a 2015 mostram um saldo migratório claramente negativo, com a diferença entre emigrantes e imigrantes a fixar-se nas 10.500 pessoas, a favor dos primeiros.

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