Paulo Rangel e a “claustrofobia à Sócrates”

António Costa não merece ser confundido com o actor principal da Operação Marquês.

Paulo Rangel está em Malta, a participar no congresso do Partido Popular Europeu, e foi de lá que acusou a comunicação social portuguesa de ser demasiado sensível “à máquina de propaganda socialista”. Em declarações ao Observador, anunciou o regresso da malfadada “claustrofobia à Sócrates”, desta vez pela mão de António Costa. “2017 rima com 2007”, afirmou. “Os protagonistas são os mesmos: António Costa está no Governo, Vieira da Silva e Santos Silva também, já para não falar no leque de secretários de Estado que, entretanto, foram promovidos a ministros.”

Como sabem, este é um tema que me interessa, e que levo muito a sério: está por fazer uma reflexão aprofundada sobre os anos socráticos, a forma como o país se deixou capturar pelo carisma do animal feroz e o modo como todas as instituições, sem excepção – Estado, Justiça, a própria comunicação social – foram incapazes de resistir eficazmente aos seus métodos autocráticos. Nesse aspecto, aliás, há um mérito que deve ser atribuído a Paulo Rangel, e não é pequeno: ele foi dos primeiros a alertar para o que se estava a passar em Portugal. Nas cerimónias de 25 de Abril de 2007, em representação do PSD, Rangel teve a coragem de denunciar o ambiente de “claustrofobia democrática” e de “condicionamento da liberdade” que se vivia no país, em boa parte devido à “grande apetência do poder executivo para conhecer, seduzir e influenciar a agenda mediática”. Rangel estava cheio de razão, o que é tanto mais significativo quanto na altura boa parte da direita ainda vivia fascinada pelo pragmatismo de José Sócrates e pelo seu ímpeto reformista.

Mas, até por ter acertado uma vez, convinha que Paulo Rangel não começasse a repetir este tipo de acusações de cada vez que o Partido Socialista regressa ao governo. Já quando Francisco Assis, no início do ano, foi violentamente atacado pelo PS devido a divergências políticas, Rangel utilizou a palavra “claustrofobia” – parece-me totalmente despropositado recorrer a ela para classificar António Costa e o actual PS. Sim, é verdade que a comunicação social é sensível “à máquina de propaganda socialista”, mas isso é porque a esmagadora maioria dos jornalistas é de esquerda. Sim, é verdade que Assis foi estupidamente atacado, mas Miguéis Relvas há em todos os partidos. Sim, é verdade que numa democracia liberal madura Vieira da Silva e Santos Silva não voltariam a ser ministros – mas também não existiriam programas de televisão onde Pedro Silva Pereira pudesse comentar a Operação Marquês sem que ninguém lhe perguntasse se as notícias sobre o seu filho estar a morar em Paris num apartamento pago por Carlos Santos Silva são verdadeiras.

Por muitos defeitos que tenha o actual governo, e eu não me tenho cansado de os apontar, um deles não é com certeza a instauração de qualquer claustrofobia. Aliás, o dossiê Sócrates é dos poucos em que António Costa esteve impecável desde o primeiro dia. Ergueu um cordão sanitário para tentar proteger o PS e deixou para a posteridade uma frase assassina: “[Sócrates] luta por aquilo que acredita ser a sua verdade.” Claro que eu interpreto esse cordão e essa frase como a admissão indirecta de que Costa sabia muito bem quem José Sócrates era – mas isso ninguém tem forma de provar neste momento. O que podemos provar é isto: sendo mau, este governo é muito melhor do que o de Sócrates, e António Costa não merece ser confundido com o actor principal da Operação Marquês.

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