A Guiné Equatorial deu uma aula sobre direitos humanos e a sala aplaudiu

O ministro Mokuy diz, numa conferência na sede da CPLP, que o seu "país tem sido incompreendido": "Não digo que sejamos anjos, mas não somos Lúcifer"

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Malabo quer abolir a pena de morte, mas está à procura do "modelo adequado" Rui Gaudêncio
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Mokuy (ao centro) terceiro vice-primeiro-ministro da Guiné Equatorial para os Direitos Humanos Rui Gaudêncio

Uma improvável conferência de direitos humanos atraiu esta quinta-feira dezenas de pessoas à sede da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), em Lisboa. Era grande a curiosidade sobre o que teria para dizer Alfonso Nsue Mokuy, terceiro vice-primeiro-ministro da Guiné Equatorial para os Direitos Humanos.

Por três razões. Porque o tema era "Democracia e Direitos Humanos na Guiné Equatorial” e vários governos e observadores garantem que essas são, justamente, duas coisas que não existem no país. Porque três anos depois de ter entrado na CPLP, na cimeira de Díli de 2014, comprometendo-se a abolir a pena de morte, a Guiné Equatorial não executou ninguém, mas também não cumpriu o prometido. E porque dois dias antes, em Guimarães, o mesmo ministro lançara para o debate público um conceito novo: Malabo quer abolir a pena de morte, mas está à procura do "modelo adequado". "O que é isso?", perguntavam alguns diplomatas antes de o ministro chegar.

A explicação veio a seguir. "Na prática, já não existe pena de morte na Guiné Equatorial", disse Mokuy. Mas "antes da abolição completa", Malabo "precisa de conhecer as diferentes experiências dos países da CPLP sobre a pena de morte, tendo em conta a complexidade do problema e a situação excepcional da Guiné Equatorial no círculo de terror da África central".

Por sugestão de um funcionário português que trabalha para as Nações Unidas em Malabo, o Centro de Estudos de Direitos Humanos da Universidade do Minho está a terminar um estudo comparativo sobre a pena de morte em vários países. "Isso permitirá à Guiné Equatorial escolher o melhor modelo", disse o ministro.

Esta parece ser a nova abordagem. Para surpresa de alguns convidados, o facto de Portugal ter reinstituído a pena de morte em 1916, depois de a ter abolido em 1867, foi um argumento usado duas vezes para provar "como a questão é complexa". Primeiro pelo embaixador do Brasil junto da CPLP, Gonçalo Mourão; a seguir pelo embaixador Tito Mba Ada, da Guiné Equatorial. "Todos os nossos países têm itinerários diversos. Alguns tivemos recaídas, restabelecendo-a em épocas recentes. Portugal, por exemplo, reinstalou a pena de morte em 1916 e só a aboliu 60 anos depois", começou por dizer o diplomata brasileiro. "No Brasil, foi abolida em 1889, mas reinstalada em 1937, foi abolida de novo em 1946 e estabelecida em 1969. E hoje ainda existe e está prevista para situações em que o país está em estado de guerra", disse, num tom apaziguador, antes de dar a palavra à estrela da sessão. "E a guerra, infelizmente, já é uma pena de morte." Mais tarde, Tito Mba Ada pegou na ponta: "Portugal teve a pena de morte durante muitos anos. A Guiné Equatorial não vai demorar tanto tempo!"

No fim da sua aula sobre o estado dos direitos humanos na Guiné Equatorial, Alfonso Nsue Mokuy foi aplaudido repetidamente e elogiado ao microfone por estudantes, activistas e pelo embaixador de Portugal junto da CPLP, Manuel Santos, que disse que "Portugal não tem dúvidas de que a Guiné Equatorial vai abolir a pena de morte".

A grande pergunta, neste momento, é saber que passos concretos deu Malabo nesse sentido desde que se juntou à CPLP. A resposta do ministro: "Temos uma moratória. Queremos sair desta moratória. Mas para evitar erros, estamos a pedir apoio aos países que já têm experiência em pena de morte. Não queremos abolir hoje e amanhã voltar. Imaginem que amanhã vem alguém que mata duas ou três crianças. O povo vai dizer: 'Matem!'. E nós dizemos: 'Já não podemos.' Queremos evitar isso. Se a Guiné Equatorial está em guerra e um soldado deserta, o que lhe fazemos? Se alguém entrar aqui e nos matar a todos, o que fazemos? O que estamos a pedir é ajuda para saber como fazemos isto. Não temos que nos precipitar quando se trata da vida das pessoas. O meu país tem sido incompreendido. Nunca ouvem a Guiné Equatorial. Não digo que sejamos anjos, mas não somos Lúcifer." A sala irrompeu em aplausos. Todos ali pareciam bem cientes de que as violações de direitos humanos que a Amnistia Internacional descreve não são "meros rumores", ao contrário do que disse o ministro Mokuy. Mas esta era uma audiência de amigos e funcionários pragmáticos que têm como missão ajudar a Guiné Equatorial a avançar

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