Ivanka Trump, funcionária pública sem salário

Donald Trump contratou a filha mais velha para o cargo de assistente. Terá acesso a informação confidencial. Nunca a Casa Branca teve tantos familiares no gabinete presidencial.

Foto
Ivanka já participava em várias reuniões da Casa Branca antes de ser contratada Mike Segar/REUTERS

As acusações de nepotismo começaram a voar assim que a Administração anunciou a contratação, com o título de assistente especial e sem remuneração, de Ivanka Trump, a filha mais velha do Presidente dos Estados Unidos. Mas mais do que suspeitas de favorecimento, são dúvidas éticas e de conflitos de interesses que se levantam com a sua entrada na Casa Branca, uma vez que Ivanka, como o pai, não se desfez do seu negócio pessoal para se dedicar ao governo.

Donald Trump nunca escondeu que Ivanka é uma das suas principais conselheiras, nem fez segredo da influência da filha — que se especulou pudesse vir a cumprir as funções de primeira-dama em vez da madrasta Melania, que decidiu ficar em Nova Iorque em vez de se mudar para a Casa Branca. Mas em vez disso, informou a Casa Branca, Ivanka seria “apenas” uma consultora informal do Presidente, sem vínculos à Administração (ao contrário do seu marido, Jared Kushner, conselheiro principal da Casa Branca e agora promovido a director do novo Gabinete de Inovação Americana).

Tendo em conta a “informalidade” do seu papel, a participação de Ivanka em reuniões na sala oval — onde foi fotografada na secretária presidencial — e outros actos oficiais da presidência, como por exemplo na cimeira de Trump com a chanceler da Alemanha, já levantara um coro de interrogações. Mas só quando se soube que Ivanka estava a preparar-se para ocupar um gabinete na ala oeste da Casa Branca é que a imprensa começou a apertar a Administração: quais são, afinal, as suas verdadeiras atribuições e responsabilidades dentro do Governo do país?

E foi para acabar com todas as dúvidas que a própria Ivanka se propôs ingressar nos quadros da Administração pública, num cargo não-remunerado, que lhe concede privilégios em termos de acesso a informação classificada e que a obriga ao cumprimento do mesmo regulamento de ética e transparência que se aplica aos restantes funcionários federais, esclareceu a Casa Branca.

“Percebi que havia dúvidas sobre o meu [trabalho de] aconselhamento informal ao Presidente, ainda que no respeito de todas as regras éticas. Por isso, vou tornar-me uma funcionária não-remunerada do gabinete da Casa Branca, sujeita a todas as regras dos restantes funcionários”, explicou a filha do Presidente, num comunicado no qual informava ainda que “durante este processo, foi consultado o gabinete jurídico da Casa Branca” e o seu próprio advogado.

“O serviço público de Ivanka, a título gracioso, demonstra o nosso compromisso com a ética, a transparência e o respeito pelas regras, além de permitir que ela lidere uma série de iniciativas que lhe estavam vedadas e que vão trazer enormes benefícios ao público americano”, acrescentou uma porta-voz da Casa Branca, numa nota enviada ao The New York Times, que também assinalava a “sorte” do Presidente poder contar com os talentos da filha.

Apesar de tanto Ivanka Trump como a Casa Branca terem dado a polémica como encerrada, as suas declarações levantaram ainda mais dúvidas, e deram azo a mais especulações. Por exemplo: porque é que a filha do Presidente vai trabalhar de graça? Será porque a ausência de remuneração a desobriga da entrega da declaração de rendimentos e património que é pedida a todos os funcionários públicos — e que Donald Trump também não entregou? Será para argumentar que assim não há incompatibilidade em continuar a receber as receitas provenientes da sua marca de roupa e acessórios, cuja gestão entregou a familiares, como o pai entregou a direcção do negócio imobiliário aos irmãos?

Foto
Ivanka Trump num encontro oficial na Casa Branca ANDREW HARRER/EPA

Ou será para defender que não existe incumprimento da lei anti-nepotismo, aprovada em 1967, que determina que nenhum responsável de uma agência federal pode contratar ou promover um familiar? Juridicamente, a questão é algo ambígua, e existe uma discussão entre especialistas sobre se os estatutos das leis anti-nepotismo se aplicam ao gabinete da presidência. Sim, consideraram os dois advogados que dirigiram o gabinete de ética da Casa Branca nos mandatos de Barack Obama e George W. Bush e que se pronunciaram sobre a contratação de Ivanka. Não, alegou o conselho jurídico da Administração Trump, fundamentado pelo parecer do Departamento de Justiça para justificar a contratação de Jared Kushner.

Uma coisa é certa: apesar de vários presidentes terem beneficiado da “ajuda” dos filhos na Casa Branca, nunca um gabinete presidencial esteve tão repleto de familiares como o de Trump. Tal como na Trump Tower, o Presidente tende em trabalhar com um número reduzido de pessoas e a confiar apenas na família ou nos colaboradores que lhe são mais próximos e fiéis — caso de Ivanka e Jared, do seu estratega político Steve Bannon e dos principais apoiantes da sua invulgar candidatura. De resto, continuam por preencher mais de 500 postos do Governo federal.

Para muitos comentadores, o facto de Trump não se ter rodeado de pesos pesados de Washington, com experiência legislativa e governativa, é uma das razões que explicam o fracasso da sua Administração nos dois primeiros meses de mandato. Do decreto presidencial a barrar a entrada nos EUA de nacionais de países de maioria muçulmana, à construção do muro na fronteira com o México; à revogação do programa de saúde conhecido como Obamacare e até à apresentação do orçamento para 2018, as grandes iniciativas políticas de Trump têm embatido na resistência dos tribunais e dos legisladores do Congresso, incluindo do seu próprio partido. 

Sugerir correcção
Ler 4 comentários