Factos e fatos de François Fillon, ou porque não é crime gostar da política desde que a mereçamos

Eu que giro os destinos de milhões e orçamentos de biliões e nem um pullover de caxemira, nem um fatinho a sério tenho para sair ao fim-de-semana!, exaspera-se o diabinho ao ouvido dos Fillons – e dos Silva – deste mundo.

O que pode levar em 1976 um jovem de 22 anos, recém-licenciado, aparentemente lúcido e provindo de uma família esclarecida, em vez de querer saborear a vida, cabelos ao vento e gola alta na janela de uma 4L – Qu’est-ce qui fait pleurer les blondes? Qu’est-ce qui fait tourner le monde?, perguntava então Sylvie Vartan –, a optar por ser assistente parlamentar de um deputado? No caso, parece que foi o facto de este ser um amigo da família. E assim começa a vida política de François Fillon, antigo primeiro-ministro, várias vezes ministro, quase eterno deputado em França, e agora um candidato da direita a seu Presidente. E assim poderia também começar um texto hoje a zurzir em Fillon, esse exemplo dos muitos semi-homens, políticos profissionais e ineptos para tudo o mais que abundam agora na política europeia, que nos afundaram nas profundezas de nós próprios, etc., etc.

Pausa. Não, não o farei! Porque na verdade, tivesse François Fillon enveredado aos 22 anos por uma carreira na banca ou a especular com títulos mobiliários ou na construção civil, ignorando qualquer apelo cívico e encerrando-se no egotismo de apenas fazer engordar a sua conta bancária, e poderia talvez surgir umas décadas depois, legitimado por uma vaga nuvem de suor, como alguém que se dignava ofertar os seus préstimos à causa pública e imolar-se, então sim em glória, pela república. Um pouco à semelhança, portanto, de... Donald Trump, que ninguém pode acusar de ser um político profissional, esse alto insulto.

Perguntas mais interessantes sobre Fillon serão outras e podem incluir até esta, que é mais exótica e permite teoria geral, dando por adquirido o assunto entediante dos empregos para a família: pode confiar-se a Presidência de um país a quem dependa de um amigo, no caso também advogado de alguns dirigentes africanos, para lhe ajustar o guarda-roupa? E aboná-lo graciosamente de roupa precisa e determinada? A saber (ah, a liberdade de imprensa!): dois fatos já em 2017 por 13.000 euros e, nos últimos quatro anos, “dois casacos de caça, um blazer, dois pares de calças e duas camisolas de caxemira”, no valor de 48.500 euros. Eu diria – mal disfarçando a ligeira náusea – que pode e até deve. Há pessoas aliás que, mal as vejo, apetece-me logo sacar da carteira e metê-las no primeiro voo para Libreville, às compras e que não me apareçam sem um – ou dois – pullovers de caxemira pelas costas.

O ponto mais sério nisto tudo é o risco que o serviço público traz de, em vez de reforçar a serenidade de quem o exerce, aumentar o seu ressentimento e, com ele, a dependência. Quem decide na vida pública – o político –, como quem decide das causas privadas – o juiz –, precisa de serenidade para a decisão, mas, em vez de a encontrar, corre também o risco, humano, de ser capturado pelo ressentimento e, nele, pela dependência.

Eu que giro os destinos de milhões e orçamentos de biliões e nem um pullover de caxemira, nem um fatinho a sério tenho para sair ao fim-de-semana!, exaspera-se o diabinho ao ouvido dos Fillons – e dos Silva – deste mundo.

O resto, o resto é ganância e talvez, como dizia um político, manifestamente inseguro e pouco presenteado, a falta de medo do Inferno que grassa inexorável nos nossos dias. Afinal... J’ai traversé le desert sans avoir soif, j’adore les voyages, je patine et je nage... – e termina-se com a batida dançável e a improvável sabedoria de Sylvie Vartan a aquecer o ar de Março e a fechar o sorriso.

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