“O património português não se extingue só no fado nem na música tradicional”

Vieram da pop, do fado e do jazz e confluíram num grupo: Rua da Lua. O disco de estreia, homónimo, roda agora pelos palcos. Sábado, 1 de Abril, estarão no Auditório D. João V, na Damaia, a apresentá-lo.

Foto
Os Rua da Lua: Rui Silva (contrabaixo e baixo acústico), Carlos “Bisnaga” Lopes (acordeão e concertina), Tatiana do Carmo (voz), Manú Teixeira (percussão) e Tiago Oliveira (guitarra) João Sousa

Chamam-se Rua da Lua e são um quinteto nascido em 2008, formado por músicos vindos de diversos grupos e rodados no trabalho com várias formações e intérpretes (Rosa Negra, Roda de Choro de Lisboa, Real Companhia, Amor Electro, Pólo Norte, Monda, António Chaínho, André Sardet, etc.). O seu disco de estreia, que exibe na capa como título apenas o nome do grupo inscrito numa placa de toponímia, está a ser apresentado nas Fnac e neste sábado, 1 de Abril, no Auditório D. João V, Damaia, às 21h30.

O grupo é formado por Rui Silva (contrabaixo e baixo acústico), Carlos “Bisnaga” Lopes (acordeão e concertina), Tatiana do Carmo (voz), Manú Teixeira (percussão) e Tiago Oliveira (guitarra), que explica como surgiu a ideia: “Vínhamos todos de áreas diferentes. O meu pai sempre esteve ligado à música tradicional, aos ranchos folclóricos, e o pai do Carlos Lopes, o acordeonista, também. E tocaram juntos.” Mas não foi aí que se cruzaram, foi mais tarde. Para Tiago, o fim dos Madredeus deixara uma lacuna por preencher, em termos musicais, e isso esteve presente na formação do novo grupo, que não quis de modo algum copiá-los ou replicá-los. Foi Manú Teixeira, o percussionista, quem propôs formar um grupo. Para tal, começaram a juntar “músicos com uma raiz acústica, mas que viessem de áreas do pop, do fado, do jazz.” O objectivo, diz Tiago, era “fazer algo que juntasse diferentes linguagens num só conceito.” E isso começou no apoio musical a uma companhia de bailado de Sintra, para a qual recriaram alguns fados.

“Um parto difícil”

Só depois começaram a pensar em originais. Tatiana do Carmo (ex-Rosa Negra) entrou para o grupo numa fase mais adiantada. “Quando se tem um trabalho destes, tem-se a ideia de uma voz. E tinha de ser aquela voz, não podia ser uma voz qualquer”, diz Tiago. Foi um amigo que lhes recomendou a Tatiana. Ela fez um teste e ficou. “Lembro-me de que cantei a Mãe preta. Houve uma conversa exploratória com o Tiago, eles enviaram-me alguns temas, cantei e recordo-me que correu muito bem. Parecia ensaiado.”

O primeiro concerto do grupo foi na Fábrica de Braço de Prata, em 2013. Cinco anos depois de o grupo ter sido formado. “Foi um parto difícil”, diz Tiago. “Nem sempre é fácil obter consensos com pessoas que tocam há tantos anos e com tantos artistas. Não por questões de agenda, mas de estética.” O som que eles procuravam não é facilmente definível, mas Tiago faz uma tentativa: “O património português não se extingue só no fado nem na música tradicional. Ora se conseguíssemos juntar isso, preservando a estética de cada músico, e juntando-lhe a poesia, teríamos algo que não fosse estanque mas teria de ser português e de raiz acústica.” Tatiana acrescenta: “Eu acho que o processo criativo também mudou ao longo dos tempos. Enquanto há umas décadas atrás se procurava aquilo que as pessoas queriam ouvir, agora acabamos por nos cingir àquilo que queremos mostrar. E este trabalho todo, exaustivo, respeitou todas as nossas vontades. Daí fazer sentido, sempre que o ouvimos. Existe esse compromisso.”

Da Lua ao solo português

O disco tem, na contracapa, esta curiosa nota: “59 minutos de boa música em português”. E isso traduz-se num lote de originais (como Cinco vidas ou Feita de Lua, ambas já com vídeos no Youtube), a par de versões de temas como Tudo isto é fado, Na rua dos meus ciúmes ou Mãe preta. Treze temas ao todo, mais um bónus instrumental, Lisboa ao entardecer, da autoria do conde polaco Jan Tisky e aqui retomado a partir do arranjo que dele fez o célebre guitarrista Fontes Rocha. “Foi uma selecção grande”, diz Tiago. “Mas alguns temas tinham de ser fados com que nos identificássemos, de algum modo identificados com o imaginário português antigo.”

Dos originais, vários têm letra de Eugénia Ávila Ramos. “É uma pessoa que esteve ligada à publicidade durante muitos anos, trabalhou com o Zé da Ponte, o Guilherme Inês, o Luís Pedro Fonseca, e conhecemo-la através de uma primeira cantora que trabalhou connosco. Ela escreveu as letras para as músicas que eu lhe enviava. Ajudou-nos muito no ideal poético da banda e sempre se identificou com o projecto. Acaba por ser o sexto elemento.” Tatiana: “A originalidade e simplicidade do projecto acabou por se transformar nas palavras da Eugénia, porque tudo o que ela escreve também reporta ao imaginário português: a memória, o tempo, os próprios secretismos da Lua.” De onde veio o nome do grupo, aliás. “A Lua tem um poder que, apesar de não ser palpável, é visível nas marés, no tempo, nos ciclos, em tudo.” O grupo começou por chamar-se Maria Lua, título de uma das canções. Mas alterou o nome para estar mais ligado à terra, ao solo português.

Sugerir correcção
Comentar