Ai Weiwei vai erguer muros em Nova Iorque porque "somos todos iguais"

Contra o clima de fechamento nos EUA e o aumento dos nacionalismos mundo fora, o artista chinês vai criar dezenas de esculturas que serão vedações, grades, cercas e outras barreiras pela cidade.

Fotogaleria
Ai Weiwei Studio
Fotogaleria
O artista na fronteira entre os EUA e o México, em Tijuana Ai Weiwei Studio

É uma reacção “ao recuo em relação à atitude essencial de abertura” dos Estados Unidos e Ai Weiwei vai expressá-la em mais de cem muros, vedações e cercas por Nova Iorque em Outubro. Trata-se de uma encomenda ao artista dissidente chinês pelo Public Art Fund, que assinala assim os seus 40 anos com mais um grande nome da arte contemporânea a marcar o território da cidade norte-americana, e num momento particularmente significativo.

A instalação tem como título Good fences make good neighbors (boas cercas fazem bons vizinhos), uma referência directa ao poema Mending Wall, de Robert Frost, e será, como disse o director da instituição sem fins lucrativos que se dedica a divulgar a arte pública na cidade, Nicholas Baume, ao New York Times, o projecto “mais ambicioso” de sempre da fundação Public Art Fund. As várias instalações – dez grandes vedações e muitas outras obras de menor dimensão – vão estar em vários dos cinco grandes distritos da cidade a partir de 12 de Outubro. Alguns dos locais são o edifício Cooper Union, em Manhattan, ou a praça Doris C. Freedman, próxima do Central Park, bem como o Essex Street Market, no Lower East Side, ou paragens de autocarro em Brooklyn.

Vão estar em telhados, em espaços entre edifícios, por vezes como se tivessem irrompido ali, quase naturalmente. "Ao invés de dificultar a vida quotidiana, as vedações vão servir como poderosas metáforas numa cidade que há muito tem funcionado como uma porta de entrada para os Estados Unidos para milhões de imigrantes", lê-se no comunicado do Public Art Fund. 

O artista disse ao diário nova-iorquino que esta é a sua reacção ao actual clima político norte-americano, e detalhou: “Quando o Muro de Berlim caiu, havia 11 países com vedações ou muros fronteiriços. Em 2016, esse número tinha aumentado para 70. Estamos a testemunhar um aumento do nacionalismo, um crescente fechamento de fronteiras e uma atitude de exclusão para com os migrantes e refugiados, as vítimas da guerra e as baixas humanas da globalização”, rematou Ai Weiwei por e-mail. As palavras e as promessas de Donald J. Trump – “vamos construir um muro” na fronteira com o México – ecoam na declaração de missão do artista chinês.

Ai Weiwei viveu em Nova Iorque nos anos 1980 e lembra isso mesmo em comunicado. “A barreira sempre foi um instrumento no vocabulário de gestão política do território e evoca associações com palavras como 'fronteira', 'segurança' e 'vizinho', que estão ligadas ao ambiente político actual”, reflecte, acrescentando que Good fences make good neighbors pretende sublinhar que “se as barreiras foram usadas para nos dividir, como humanos somos todos iguais": "Alguns mais privilegiados do que outros, mas com esse privilégio vem a responsabilidade de fazer mais”.

Recentemente, o artista tem reflectido sobre estes temas e sobre o drama dos migrantes e refugiados em várias cidades pelo mundo, de Lesbos, na Grécia, a Praga, Viena e Berlim. Na tradição dos artistas que desde a década de 1970 têm trabalhado a própria tessitura da cidade e dada a sua proficiência na arquitectura, na arte, no design e no activismo, Ai foi a escolha do ano da fundação, explica ainda Nicholas Baume, porque espera que as suas esculturas sejam "objectos potentes com profunda ressonância".

O Public Art Fund já financiou obras de Alexander Calder, Anish Kapoor, Sol LeWitt, Olafur Eliasson ou Tatzu Nishi. Good fences make good neighbors estará em Nova Iorque até 11 de Fevereiro de 2018.

Sugerir correcção
Comentar