A dívida pública, o mercado e o nosso futuro

O IGCP [Agência de Gestão da Tesouraria e da dívida Pública] continua a fazer um bom trabalho e a jogar em antecipação.

O tema da dívida pública continua a pairar sobre as conversas e debates sobre o futuro de Portugal. Tema intruso que ninguém quer abordar, mas, que acaba sempre por aparecer. É fonte de ansiedade, e quando alguém o traz, muda-­-se rapidamente de conversa para outros assuntos mais alegres. Mas a dívida está lá.

E com ela, a questão do mercado. É o mercado, são os investidores, que nos permitem não ter de abordar novamente os credores. É o mercado que nos permite alguma autonomia e não ter de afrontar novamente a condicionalidade da troika (‘austeridade’). E como tem evoluído recentemente o nosso posicionamento no mercado, ou dito de outra forma, junto dos nossos investidores?

Para lhe medirmos o pulso, vale a pena analisar a evolução do diferencial de taxas de juro entre Portugal e a Alemanha, sendo que a Alemanha é um dos soberanos com menos risco na Zona Euro. E também, o diferencial de taxas de juro entre Portugal e a Itália, que sem considerar a  Grécia, são dois dos soberanos com maior percepção de risco na Zona Euro. Olhando para a evolução do acréscimo de juro face à Alemanha, este transaccionou num largo intervalo de 2% a 2.7% desde Março de 2014, depois das emissões realizadas em Janeiro e Fevereiro de 2014 o terem trazido de níveis próximos de 4%.

O anúncio das compras do BCE e a sua efectivação, trouxeram–no brevemente para os seus mínimos entre Fevereiro e Maio de 2015. Depois voltaram para um intervalo entre 1.8% e 2.5% de onde só se afastaram duravelmente a partir de Janeiro de 2016. Transaccionando a partir daí num maior diferencial de 3 a 3.7% (onde se encontra actualmente). É a partir de Janeiro de 2016, depois da decisão de transferência de obrigações do Novo Banco para o BES, que o enfoque dos investidores passa a ser na saúde do sistema financeiro. Também em Itália, a partir dessa data, a questão da solidez do sistema financeiro se coloca. Mas o diferencial de juros entre Portugal e a Itália a partir de Janeiro de 2016 e até ao Outono desse ano segue um padrão similar ao da Alemanha.

Até Fevereiro de 2016, o diferencial tinha-­-se mantido em geral abaixo de 1%, disparando para 2.3% em Fevereiro de 2016 e estando agora a transaccionar a 1.8%. Qual a razão para que esta preocupação seja específica a Portugal e não tenha afectado tanto a Itália? Provavelmente porque a Itália é vista como tendo mais capacidade para resolver os seus problemas bancários sem ajudas externas (nível de dívida pública similar, mas de dívida externa e privada bastante mais baixos). Só a partir do Outono é que os juros de Itália começam a acompanhar os de Portugal (por oposição aos de Espanha) quando se começa a falar na possibilidade do fim das políticas de compra do BCE, mas também do início de um ciclo de subidas de taxas nos Estados Unidos. Num ciclo de aperto monetário, com diminuição de compras e subidas de taxas, os investidores tenderão a pedir uma maior compensação para comprar de obrigações de países com mais risco.

Olhando então para a evolução destes diferenciais ao longo do tempo, identificamos três factores determinantes nesta subida dos juros de Portugal relativamente a outros soberanos na Zona Euro: os bancos, o esgotamento e eventual remoção das políticas de compras do BCE e o início de um ciclo de subida de juros nos EUA. Convém esclarecer uma questão importante: quão dependentes estamos dos mercados nos próximos anos para financiar o nosso deficit e para pagar os vencimentos da nossa dívida?

A verdade é que o IGCP [Agência de Gestão da Tesouraria e da dívida Pública] continua a fazer um bom trabalho e a jogar em antecipação. A emissão com que começou o ano de 2017 voltou a aumentar a almofada de liquidez que o Estado tem vindo a manter. Esta almofada, permite-­-nos ir fazendo face  aos  pagamentos  sem  estar dependentes dos mercados. Permitindo ao IGCP aproveitar os melhores momentos para executar a sua estratégia e evitando bater à porta dos investidores em condições de mercado desfavoráveis.

Este ano, e segundo o IGCP, as necessidades de financiamento (Estado mais reembolsos) são de 21,1 mil milhões de euros. 4.6 mil milhões de dívida já foram colocados e a almofada de liquidez no início do ano era de 10.2 mil milhões. A continuação expectável de colocações de dívida por leilão e de produtos de retalho garantirá facilmente o resto de 2017.

Mas em 2018 pode não ser tão evidente, principalmente se o ano não começar com uma almofada de liquidez tão ampla e o BCE deixar de comprar dívida pública como parece provável. É também preocupante que os investidores institucionais tenham aproveitado a presença compradora do BCE para reduzir posições nas nossas obrigações (este efeito não se aplica só a nós). E 2019, 2020 e sobretudo 2021 são anos bastante mais complicados.

Por isso é necessário voltar a atrair os investidores institucionais estrangeiros. As condições de mercado podem não ajudar, mas para os atrair é preciso demonstrar que as obrigações portuguesas são uma oportunidade de investimento interessante. Penso que para tal é necessário, mas pode não ser suficiente, que Portugal tenha um plano credível de redução de dívida pública a prazo.

A boa notícia é que na situação em que está a nossa economia, esse plano parece bastante exequível. É necessário fazer um esforço adicional de consolidação das contas públicas passando o saldo primário (sem contar os juros da dívida pública) de 2,2% do PIB a 2,8%. Com um crescimento real do PIB da ordem dos 1,5% e um deflator de 1,5% (3% de crescimento nominal do PIB), a dívida pública pode diminuir dois pontos percentuais por ano. Em 10 anos a dívida bruta iria aproximar-­-se de  110%  do  PIB  (130%  actualmente)  e  a  divida  líquida  (sem contar a almofada de liquidez) de 100% do PIB. Parece fácil, mas nos últimos quatro anos não tem havido reduções substanciais da dívida pública. E para nos ajudar nos tempos mais difíceis que se aproximam a partir de 2018 ou 2019, este é o mínimo dos mínimos.

Assim, Portugal poderia voltar a apresentar aos investidores uma história de investimento interessante. Iniciaria a convergência para níveis de dívida mais seguros que nos permitiriam, na próxima década, ultrapassar a ansiedade que paira sobre a nossa economia e concentrar-mo-­-nos em   garantir   que   o   investimento   privado   passa   a   ser   o   motor   do crescimento. Trabalho de formiga, mas inevitável se se querem diminuir as probabilidades de ter de voltar a abordar os credores.

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