Forma-se uma geração europeia

Os eurófobos e nacional-populistas já foram todos entrevistados à exaustão. Prevejo que nos próximos anos esta outra geração chegará à maioridade e desafiará a elite política não pela sua eurofobia mas pela sua ousadia pró-europeia.

Roma. — Enquanto os chefes de Governo tratavam das suas coisas oficiais, a capital italiana viu cinco manifestações nos 60 anos da União Europeia. Duas foram manifestações eurofóbicas, convocadas por cartazes espalhados por todo o lado que apresentavam as caras de Juncker, Merkel e Hollande em esgares ridículos e acompanhadas de frases como "Imigrantes a mais? É culpa deles! Vem manifestar-te". Noutros cartazes o euro aparecia como o cadeado de umas correntes que agrilhoavam toda a Europa, incluindo até os países que não o usam, como o Reino Unido. A hipérbole não parece ter funcionado desta vez e as manifestações eurofóbicas foram pouco participadas.

Manifestações europeístas foram três também, todas com trajetórias diferentes mas convergindo para o mesmo lugar junto ao Coliseu. Segui primeiro na marcha "La Nostra Europa", convocada por organizações de esquerda. Ao contrário do que é habitual no nosso país, encontravam-se bandeiras comunistas, verdes e de sindicatos pugnando por uma União Europeia democrática, social e ambiental. A frase-chave era "a nossa Europa não é a da troika"; a vontade geral era mais de resgatar o projeto europeu do que de abandoná-lo.

Uma segunda manifestação era a "Marcha pela Europa". Qualquer pessoa, partido ou movimento, fosse de esquerda, de centro ou de direita aí poderia integrar-se. Duas coisas me surpreenderam nesse cortejo. A primeira delas foi a quantidade de jovens. Em dezenas de anos de manifestações, esta foi certamente a manifestação mais jovem que vi. Eram adolescentes italianos, liceais franceses e universitários de todos os lados da União e de alguns países fora dela. Alguns britânicos marcaram também presença. A anunciada saída do Reino Unido é uma ferida aberta para muitos destes jovens. Um rapaz dinamarquês dizia-me: "Vamos lutar por isto com todas as nossas forças, não vamos deixar que nos façam o mesmo que aos jovens britânicos". "Isto" é um modo de vida europeu; acontecer "o mesmo que aos jovens britânicos" é ver esse modo de vida destruído sem apelo nem agravo por quem depois nem fica para apanhar os cacos.

A segunda coisa que me surpreendeu foi a enorme prevalência de bandeiras federalistas europeias. Na verdade, nunca tinha visto mais do que um par destas bandeiras que, ao invés das doze estrelas sobre fundo azul da bandeira da UE, são brancas e verdes, ou melhor, de fundo branco com um grande "E" maiúsculo de "Europa" pintado a verde escuro a toda a largura do pano. Aqui em Roma eram aos milhares estas bandeiras, orgulhosamente empunhadas por jovens que gritavam palavras-de-ordem a favor dos Estados Unidos da Europa e carregavam faixas proclamando "A Federação Europeia é a Revolução Europeia".

Será fácil presumir da irrelevância de tais fenómenos. Nisso, os comentadores encartados são muito parecidos com os governantes que faziam os seus discursos no Quirinal: sempre a combater a última crise e a comentar o fenómeno de ontem. Os eurófobos e nacional-populistas já foram todos entrevistados à exaustão. Prevejo que nos próximos anos esta outra geração chegará à maioridade e desafiará a elite política não pela sua eurofobia mas pela sua ousadia pró-europeia.

A terceira manifestação antinacionalista do dia era descrita como sendo do "Black Block", ou seja, de jovens anarquistas e libertários de esquerda principalmente empenhados em fazer a defesa dos imigrantes e refugiados e a lutar pela abolição total de fronteiras. Como nas outras duas, será fácil dizer que são — que somos — loucos. Mas ao menos esta é uma loucura mais saudável e generosa do que a daqueles que, no poder ou na oposição, querem agora voltar a instituir o egoísmo nacional como critério supremo de decisão política num mundo cada vez mais pequeno.

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