Investigadores portugueses pioneiros no ataque à “krokodil”

Equipa de investigadores de várias nacionalidades, coordenada por português, diz que o método que desenvolveu pode ajudar hospitais e polícia de diferentes países a detectar e atacar droga altamente destrutiva.

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Investigadores reproduziram em laboratório a “krokodil” DR

É coordenada por investigadores portugueses a única equipa que já desenvolveu métodos laboratoriais para analisar a “krokodil” e detectar a sua presença no sangue e na urina. Esta droga, altamente destrutiva, tem como principal componente psicoactivo o opióide semi-sintético desomorfina. Foi detectada há uma década na Rússia. Em Portugal, o Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD) só tem registo de um caso de consumo até agora.

“Esta é a mais recente droga de abuso que está a alarmar a comunidade clínica e forense internacional por ser a mais destrutiva e não haver nenhuma outra no mercado que seja tão ácida, agressiva e corrosiva”, diz o toxicologista Ricardo Dinis Oliveira, coordenador da equipa de investigadores, na Cooperativa de Ensino Superior, Politécnico e Universitário (CESPU).

A “krokodil” é uma das substâncias que vão estar em foco a 30 e 31 deste mês, na Alfândega do Porto, durante as Jornadas Científicas da CESPU e o II Congresso da Associação Portuguesa de Ciências Forenses.

Os investigadores querem agora disponibilizar os métodos de análise que desenvolveram aos hospitais, autoridades policiais e Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses para que consigam identificar a substância e travar a sua propagação. E, no caso dos hospitais, tratar intoxicações. “Se uma pessoa dá entrada intoxicada com ‘krokodil’, já pode ser tratada para essa realidade e não para outra, como heroína ou intoxicação farmacológica.”

Os efeitos aditivos e tóxicos da droga — conhecida por “krokodil” por causa da aparência escamosa e esverdeada que provoca na pele dos consumidores depois de administrada por via intravenosa — “são muito graves e imediatos após a primeira toma, como a descoloração da pele e o aparecimento de úlceras, necrose e flebites e, no limite, podem levar à amputação dos membros”.

O que os toxicodependentes fazem, muitas vezes, é administrar a droga noutros membros do corpo enquanto o outro cicatriza. E tentam criar técnicas de purificação caseira para administrar uma droga menos tóxica — algo que foi constatado na Geórgia por uma das investigadoras do grupo, Emanuele Alves, da Policia Civil do Rio de Janeiro, que, no âmbito da sua da tese de Doutoramento em Ciências Forenses, na CESPU, observou e filmou os toxicodependentes a confeccionar “krokodil”, bem como os efeitos da droga após a administrarem.

Os investigadores alertam para o facto de os utilizadores poderem desenvolver lesões ósseas, nas cartilagens e músculos. E podem ocorrer lesões neurológicas. “A morte pode resultar das múltiplas patologias, sobretudo de natureza infecciosa, ou mesmo por depressão respiratória.”

A investigação começou há quatro anos e conta na equipa, além de Ricardo Oliveira, com os professores Félix Carvalho e Carlos Afonso, da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto, e o professor Annibal Netto, da Universidade Federal Fluminense do Brasil. Também colaboram investigadores da República Checa, Geórgia, Holanda e Brasil.

Uma vez em Portugal, reproduziram em laboratório a “krokodil” que apresenta um aspecto amarelo claro com um pó em suspensão. Utilizaram substâncias legais, como codeína — um anti-tússico e analgésico que “já é alvo de políticas de restrição na Rússia” —, soluções para a limpeza das canalizações, solventes orgânicos, iodo e fósforo. “Com coisas tão simples produz-se a droga mais perigosa do planeta”, diz Ricardo Dinis Oliveira. A equipa alerta para a necessidade de haver controlo na venda de codeína nas farmácias.

“Caracterizámos o processo síntese, verificámos o que dele resulta e conseguimos perceber que é um análogo da heroína. A partir daqui, podemos ajudar na investigação policial e pericial”, diz. Em Portugal, acrescenta ainda, a informação sobre casos de consumo é escassa. Mas há alguns “reportados pela comunidade médica em reuniões científicas”.

Ao PÚBLICO o director-geral do SICAD, João Goulão, confirmou “a sinalização na base de dados e sistema de informação e de alerta rápido de um caso de utilização de ‘krokodil’, na região do Barreiro”. Mas desconhece a existência de outros.

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