A ausência de um ideal

O que criou e validou a Europa foi um ideal.

A União Europeia é a organização internacional mais bem sucedida da história. E é agora vítima do seu próprio sucesso, em plena crise de identidade que promete terminar muito mal. A UE cumpriu tudo o que se propôs fazer quando nasceu. Deu segurança, deu estabilidade, deu prosperidade. Ultrapassou o papão comunista e espalhou a democracia liberal como exemplo e objectivo para centenas de milhões de pessoas. Liderando a comunidade internacional, ajudou a minorar ou resolver alguns dos grandes problemas do planeta.

O que criou e validou a Europa foi um ideal, ideal esse que foi partilhado durante 50 anos por cada vez mais nações. Esse ideal está agora esgotado. Mal servida de líderes, para a qual Portugal também contribuiu, tem o problema típico dos impérios que se cumprem. Perdeu o projecto e, entre crises financeiras e inseguranças estruturais, deixou de oferecer uma ideia para um futuro partilhado.

Não vale a pena mascarar a realidade: quem tem menos de 30 anos e vive num país do Sul da Europa tem pela frente a perspectiva de vida mais limitada desde 1980. Haverá muito para discutir sobre culpados e erros, mas este cenário é incontornável. E esta é a verdadeira razão para o falhanço da Europa, que é incapaz de fornecer uma ideia de futuro.

Andar a brincar aos ódios com frases incendiárias que envolvem copos e mulheres só serve para reforçar o estereótipo: esta Europa foi muito boa para servir uma geração de líderes acomodados que enriqueceu e formatou um sistema pouco menos que selvagem. E agora as suas reformas chorudas serão pagas pelos papalvos que estão a contribuir para um sistema do qual não vão beneficiar.

Sim, o nacionalismo e a xenofobia são respostas ignorantes. Mas a pergunta que lhes dá origem é real. E, sim, é confrangedor ver tanta gente nova ao lado de Marine Le Pen. Mas ela acena com uma ideia de futuro em que não entra apenas a austeridade. E essas ideias enfrentam, do outro lado, um discurso de austeridade e de imposição a todo o custo de um modelo errado e esgotado que é mais parte do problema do que da solução.

Se queremos ter aliados na construção do futuro europeu, temos de propor uma ideia para esse futuro ou, ao menos, dar espaço para que essas gerações apresentem as suas propostas. Mas se não somos sequer capazes de oferecer trabalho e salário digno, não podemos esperar provas de cidadania tão simples como o voto ou a identidade europeia.

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