Motim no Partido Republicano mantém Obamacare bem vivo

Com a maioria na Câmara dos Representantes e no Senado e com um Presidente na Casa Branca, o Partido Republicano não foi capaz de se organizar para cumprir uma das promessas mais emblemáticas da campanha eleitoral.

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Donald Trump Carlos Barria/Reuters

O jeito de Donald Trump para fechar negócios foi posto em causa logo na sua primeira tentativa de deixar uma marca como Presidente dos Estados Unidos. Confrontado com um motim no Partido Republicano por causa da proposta de lei sobre seguros de saúde que deveria substituir o Obamacare, Trump decidiu anular a votação na Câmara dos Representantes mesmo em cima da hora. 

A versão da proposta de lei que iria a votos foi o melhor que a Casa Branca e a liderança do Partido Republicano conseguiram arranjar para agradar, ao mesmo tempo, aos mais radicais e aos mais moderados — no final, provou-se que as cedências de última hora feitas por Donald Trump aos republicanos mais radicais não foram suficientes, e a promessa de derrubar o Obamacare ficou pelo caminho "num futuro próximo", como admitiu o speaker da Câmara dos Representantes, Paul Ryan. 

Para fazer passar a proposta — e, dessa forma, poder olhar para os seus eleitores e dizer-lhes que começou a cumprir a promessa eleitoral de substituir o Obamacare —, Donald Trump precisava que pelo menos 216 dos 237 membros que o Partido Republicano tem na Câmara dos Representantes votassem a favor. O problema é que a discussão desta proposta de lei veio expor, mais uma vez, as divisões no Partido Republicano que já tinham sido visíveis em outras ocasiões, como durante a paralisação do Governo, em 2013 — nessa altura, os mais moderados queriam dialogar com o Partido Democrata, mas ficaram reféns de uma minoria mais radical, liderada pelo senador Ted Cruz, que só aceitava ceder se o Obamacare caísse.

Por um lado, os republicanos mais identificados com os ideais libertários (menos intromissão do Estado em todas as áreas da sociedade) esperavam desta vez uma proposta mais radical no distanciamento da lei que foi assinada por Obama em 2010; por outro lado, os mais moderados consideram que a proposta de lei do seu próprio partido é radical demais, e não querem ter de explicar aos seus eleitores que contribuíram para que muitos deles ficassem sem seguro. 

O fracasso da proposta de lei (conhecida como American Health Care Act) começou a desenhar-se quinta-feira, quando o speaker da Câmara dos Representantes e arquitecto da proposta anti-Obamacare, Paul Ryan, adiou a votação por um dia, por não ter votos suficientes no seu partido. Com o "não" prometido pelo Partido Democrata, a liderança do Partido Republicano não podia perder mais do que 22 votos na sua bancada. 

Acordo impossível

Depois de Ryan ter anunciado o adiamento da votação, na quinta-feira, seguiu-se uma nova ronda de intensas negociações entre Trump e membros mais radicais do Partido Republicano. No final dessas discussões, o Presidente fez uma importante concessão, mas o resultado foi o contrário do esperado — em vez de fechar o negócio, essa concessão apenas fez com que os radicais ficassem mais exigentes e com que os moderados ficassem mais assustados. 

Com as concessões feitas pela Casa Branca, a última versão da lei livrou as seguradoras privadas da obrigação de incluírem na sua cobertura um pacote de "benefícios de saúde essenciais", como serviços de emergência, cuidados na maternidade, saúde mental, combate às toxicodependências, serviços pediátricos e outros. Para tentar puxar os mais radicais para o seu lado, Trump concordou em transferir para cada estado esse poder — o Governo federal deixaria de obrigar as seguradoras a ter um pacote mínimo, e seriam os estados a decidir se essa obrigação se mantém, se cai ou se os serviços que têm de ser garantidos são os mesmos ou quaisquer outros. 

Encorajados pelas concessões, os mais radicais quiseram mais, e no final já exigiam que Trump riscasse da nova proposta dois dos vestígios do Obamacare que ainda lá estavam: a impossibilidade de as seguradoras recusarem seguros a pessoas já doentes e a extensão da cobertura familiar a filhos até aos 26 anos de idade. 

Ultimato falhado

No fundo, esta ala mais radical quer a total desregulação do sector, com o argumento de que o mercado fará o seu trabalho. Do outro lado, os mais moderados temem que essas concessões deixem milhões de cidadãos sem a possibilidade de pagarem um seguro de saúde com condições dignas — um receio confirmado pela comissão de orçamento do Congresso, cujo relatório estima que 24 milhões de pessoas ficariam sem seguro se a proposta fosse aprovada. 

Perante este motim, o speaker da Câmara dos Representantes deslocou-se à Casa Branca, para dizer a Donald Trump que não havia votos suficientes. O Presidente dos Estados Unidos concordou em retirar a proposta de votação, e não se sabe se e quando vai ser apresentada uma nova proposta — na noite de quinta-feira, Donald Trump disse aos membros do Partido Republicano que a decisão era muito simples: ou aprovam e substituem o Obamacare, ou não aprovam e assumem a responsabilidade perante os eleitores. Um ultimato que não surtiu efeito, e que provocou um cenário que poucos esperavam: com a maioria na Câmara dos Representantes e no Senado, e com um Presidente na Casa Branca, o Partido Republicano não foi capaz de se organizar para aprovar uma das promessas mais emblemáticas da campanha eleitoral. 

Ou, como disse o republicano Mark Walker, da Carolina do Norte, "provavelmente o champanhe que o Partido Democrata não abriu em Novembro vai ser bebido esta noite".

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