O medo vai ter tudo…

No modus operandi o jihadismo privilegia os chamados “lobos solitários”, os soft targets, os “combatentes estrangeiros” e a propaganda bárbara.

Era o que dizia o Alexandre O’Neill no Poema Pouco Original Sobre o Medo. E tinha razão, como acontece com os poetas. O medo mais uma vez volta a condicionar o nosso quotidiano. O impacto mediático dos ataques em Westminster é prova disso. A recorrência com que estes ataques se repetem impõe-nos uma nova normalidade. E a nossa reacção não pode ser o pânico.

Vergar perante o medo acarreta consequências sociais e políticas potencialmente desastrosas para a Europa. E os jihadistas sabem-no. Minam a relação de confiança, base de uma sociedade aberta, através da disseminação da violência aleatória. Apontam de longe a nossa vulnerabilidade. Vejamos: um indivíduo, uma faca e um automóvel paralisam uma sociedade, põem um continente em estado de sítio e monopolizam o espaço público. O mínimo de sofisticação possível causou o máximo de disrupção. O que define o sucesso operacional do perpetrador não é o número de vítimas, mas o grau de medo disseminado: matou, vingou a causa publicamente e, com certeza, mobilizou. Mas, sobretudo, condicionou.

Ataques como os de Londres são expressão de uma estratégia subversiva, de carácter global, com vários teatros de operações. A Europa é só mais um cenário. Para aqui, podemos destilar quatro motivações estratégicas que estão a ser alcançadas –  punição, disrupção, polarização e alteração das dinâmicas políticas.

1. Punição

Há duas razões para punir as sociedades europeias. Doutrinalmente, os valores do Ocidente representam a máxima inimizade dos professantes do jihadismo. Mas a punição também é fruto de se considerar a Europa, à semelhança dos Estados Unidos da América, como o inimigo distante que tem suportado os governantes laicos de países islâmicos que impedem o crescendo do jihadismo – seja ao nível político, diplomático ou militar. Esta punição assume-se num conjunto de ataques terroristas que, fruto da violência que os caracteriza, têm apontado a nossa vulnerabilidade. Seja pela dificuldade na identificação e prevenção da ameaça, seja porque a mitigação mais eficaz passa pela alteração de um conjunto de liberdades, direitos e garantias que caracterizam as sociedades europeias como sociedades abertas. 

2. Disrupção

A violência jihadista causa disrupção social, porque demonstra incapacidade dos Estados e das sociedades na erradicação do fenómeno. O terrorismo parece ser arma mais eficaz para este processo. No modus operandi o jihadismo privilegia os chamados “lobos solitários”, os soft targets, os “combatentes estrangeiros” e a propaganda bárbara. A facilidade e a aparente aleatoriedade de um atentado disseminam com relativa facilidade o medo. E, no imediato, torna-se real a possibilidade de qualquer um ser alvo. Pelo medo, quebra-se assim a confiança - o obstáculo ao fechamento da sociedade europeia.

3. Polarização

Por um lado, na incapacidade de resposta, exige-se mais ao Estado, ou deslegitima-se a sua actuação. Por outro, dá-se margem a uma generalização identitária que favoreça a identificação do inimigo. Ou seja, os medos gerados pela violência são catalisados na etnicidade ou na cultura religiosa dos perpetradores dos ataques. Esta generalização de um “bode expiatório” vai criar polarização nas sociedades europeias. Pelo receio de violência, geram-se desconfianças, que vão compartimentar as sociedades. Dá-se assim margem para um ainda maior ressentimento. Daqui estão criadas condições para, a longo prazo, haver bolsas para mais recrutamento em nome de uma ideologia que apresenta uma alter-realidade salvífica.

4. Alteração das dinâmicas políticas

É um objectivo estratégico de longo prazo. No fundo, trata-se da institucionalização da polarização já referida. A impossibilidade do Estado garantir a mitigação da ameaça leva a que as sociedades ponham em causa o tipo de dinâmicas políticas que têm governado a Europa nas últimas décadas. Repare-se que, progressivamente, fruto do medo e da polarização, fórmulas políticas de carácter mais extremista assomaram-se no espectro político europeu – desde movimentos nacionalistas, até preposições políticas anti-establishment. Os cidadãos europeus, na dialética entre liberdade e segurança, começam a dar ouvidos aos políticos que defendem fórmulas securitárias. A consequência desta alteração das fórmulas políticas é, in extremis, a grande vitória jihadista. Num plano temos a influência de um actor não-estatal nos desígnios democráticos dos Estados europeus. Noutro, exacerbam-se as tensões entre os vários países, gerando uma reacção defensiva e agressiva, que porá em causa os vários acordos de solidariedade política que garantiram o processo de construção europeu. Naturalmente, esta condição irá ter um forte impacto económico. Mais ainda. A polarização institucionalizada estará a criar bolsas de ressentimentos. Será por aqui que se garante uma maior possibilidade de recrutamento – encoraja-se a radicalização e a acção violenta. Também não é demais lembrar que o jihadismo legitima a sua violência porque, supostamente, a comunidade muçulmana se encontra sob ataque. Com a polarização, e a sua institucionalização através da alteração das dinâmicas políticas, esta narrativa propagandística efectiva-se.

De uma forma paulatina, o medo começa a impor-se na sua normalização, podendo vencer a liberdade pelo cansaço. Urge não nos condicionarmos, nem tomar o todo pela parte. “O medo vai ter tudo, quase tudo e cada um por seu caminho havemos todos de chegar quase todos a ratos. Sim a ratos”. O “subversivo” O’Neill sabia-o.

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