Coimbra, uma canção que permanece eterna

Fernando Rolim, uma das grandes vozes da Canção de Coimbra, brinda-nos aos 85 anos com um disco jovial.

Quando o fado foi proposto para Património Imaterial da Humanidade, estatuto que lhe foi reconhecido pela Unesco em Novembro de 2011, houve quem lamentasse que a canção de Coimbra não tivesse apanhado a “boleia” de tal proposta. Jorge Cravo, perito na matéria, ripostou assim (citado por Mário Nunes no Diário As Beiras): “Não está na candidatura. Nem tinha de estar. Não é possível afirmar-se a nossa diferença quando convém e, depois, por questões de comodismo e marketing, querer apanhar a última carruagem do fado.” Pois bem: essa justíssima insistência na demarcação, defendida por vozes coimbrãs como Luiz Goes (1933-2012) ou Fernando Rolim (que, aos 85 anos, lança agora um novo disco) deu bons frutos. Em Junho de 2013, quando a Universidade de Coimbra entrou no distinto rol das classificações para Património da Humanidade, levou consigo “as suas cerimónias e tradições culturais”, entre as quais, naturalmente, estava e está a canção de Coimbra que, embora seja designada como “fado”, é uma coisa à parte, um género único no mundo. Luiz Goes disse em 2008, ao PÚBLICO: “O fado-fado é em Lisboa. O que há [em Coimbra] é uma canção de matriz coimbrã.” E Fernando Rolim, um ano antes (em 2007) dissera à agência Lusa: “Há a canção de Coimbra, específica das suas gentes e que faz parte do folclore coimbrão, e a canção dos estudantes, que tanto quanto sei é única no mundo.”

Ora é essa canção dos estudantes, a que se convencionou chamar Fado de Coimbra, que está mais uma vez de parabéns. Porque amanhã, dia 24, chega às lojas o disco Coimbra, Um Tempo Que Não Passa…, de Fernando Rolim (será apresentado em Coimbra no dia seguinte, 25, no Pavilhão Centro de Portugal, pelas 17h30). Rolim, que em 2007 lançara Regresso de Quem Nunca Partiu, é uma das grandes vozes e presenças da canção coimbrã. Nascido em Coimbra, em 2 de Dezembro de 1931, descendente de uma família de músicos (diz a Enciclopédia da Música que o avô era compositor e a mãe pianista), teve aulas de violino dos 8 aos 19 anos, indo terminar o Secundário em Santarém (aí participou, aliás, na Orquestra Típica Scalabitana como cantor solista), voltando a Coimbra em 1950 para se licenciar em Medicina, em 1958. Numa entrevista que integra a página online da Universidade, ele dirá mais tarde: “Eu tinha duas amantes, tinha e tenho ainda: a medicina e a música.” E é entre ambas que ele vai fazendo o seu percurso de vida, sendo a música desta vez a mais beneficiada. No libreto que acompanha o disco, Manuel Alegre (que acaba, também ele, de lançar pela D. Quixote a “edição definitiva” de O Canto e as Armas) escreve: “Fernando Rolim permaneceu sempre fiel a si mesmo e à toada tradicional do fado de Coimbra a que trouxe algo de inconfundível: a arte de bem cantar, com sabedoria, sem nunca falhar uma nota e sem nunca transigir com o facilitismo.” Virando a página, diz António Arnaut: “[Rolim] é uma das vozes mais vivas da minha saudade coimbrã”; e Alberto Martins diz que “Coimbra e os seus cantores têm em Fernando Rolim um dos seus expoentes.”

O disco agora editado tem o mérito, para lá de nos surpreender com uma voz segura e jovial que ignora olimpicamente a idade do cantor, de “ressuscitar” algumas guitarradas dos anos 1980, onde se ouvem as guitarras dos saudosos António Portugal (1931-1994) e António Brojo (1928-1999); de recordar temas de Menano, Hilário, Edmundo Bettencourt, Anthero da Veiga e outros; e, por fim, de trazer para a ribalta colectivos musicais como o Grupo Etnográfico da Região de Coimbra, a Quarentuna ou a Tuna do Antigos Tunos da Universidade de Coimbra. Quanto a Fernando Rolim, deixa a quem agora o ouvir (e ler, no texto onde apresenta o seu disco) este recado: “Pretendo fazer um apelo às novas gerações que tiveram a honra, como eu felizmente ainda tive, de ver a Canção de Coimbra ser considerada Património Imaterial da Humanidade – Não deixem caí-la no esquecimento, componham-na, cantem-na à vossa maneira, adaptando-a às características da sociedade académica em que estiverem inseridos, mas cantem-na sempre!” Como ele faz – e muito bem.

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