Ministério Público? É talvez melhor chamar a Patrulha Pata

Sinto que infelizmente aprendi alguma coisa nos últimos dias, a propósito da denominada Operação Marquês.

Não sei como funciona a Procuradoria-Geral da República quanto às instruções que são dadas para a direcção concreta da investigação criminal nem quanto à sua política de comunicação. Não sei, mas sinto que infelizmente aprendi alguma coisa nos últimos dias, a propósito da denominada Operação Marquês.

Não tenho, como é óbvio, qualquer interesse neste ou naquele resultado deste processo. Espero simplesmente que os culpados sejam punidos e que os inocentes não o sejam, depois de um julgamento sério e isento, como devem ser todos. Mas confesso desde já a minha estranheza perante o facto de poderem coexistir nos jornais, e com conteúdos estruturalmente opostos, por um lado os comunicados oficiais da PGR, redigidos com aquela irritante e vazia diligência burocrática de todas as instituições; e, por outro lado, a transcrição de um despacho interno da PGR, e ainda declarações em off de procuradores a jornalistas (genial, não é?), sobre a mesma investigação.

O alegado despacho da Procuradora-Geral da República transcrito nos jornais é francamente o mais interessante, porque retratará a realidade como ela é e não “a realidade como se gostaria que ela fosse” dos comunicados oficiais. Despacho mais interessante e francamente mais perigoso. O que diz, basicamente, é: a investigação tem andado sem rei nem roque, a Administração Tributária (AT) trabalhou mal, os procuradores responsáveis pela investigação também, alguém (leia-se o director do DCIAP) que ponha ordem nisto. E isto é especialmente grave porque não é uma provocação de um advogado de um arguido ou de algum exótico comentador de Facebook. É algo escrito pelo punho da dra. Joana Marques Vidal no momento em que aumenta o tempo disponível para a investigação.

Há tanto aqui para assustar que é difícil saber por onde começar.

Ter procuradores a comentar investigações e intervenções processuais de colegas nos jornais de forma anonimizada é um asco. Tão mau como isso, aliás, é ter um procurador na televisão a comentar o caso, como ocorreu na semana passada, afirmando que as declarações de um outro procurador sobre a clara culpabilidade de um arguido, nem sequer ainda acusado, seriam justificadas pela sua qualidade sindical (e porventura também pela falta de qualidades restantes, faltou dizer). Se são estes os exemplos que os procuradores escolhem a dedo para falar em público em nome da corporação, imagine-se os demais.

Mas perceber-se que a direcção do Ministério Público sobre a actividade dos órgãos de polícia criminal – leia-se AT –, bem como a qualidade da investigação desenvolvida num processo com esta aparente complexidade e com vários anos de investigação, são agora abertamente criticadas pela Procuradora-Geral pelas suas eventuais insuficiências, é algo de simplesmente impensável. Agora, ao fim de tantos anos de investigação? Agora, quando o Ministério Público é uma estrutura hierarquizada e a hierarquia já se pronunciou várias vezes nos últimos anos sobre o alargamento dos prazos do inquérito, avaliando a investigação em curso? Agora é que as estratégias devem ser revistas e a direcção do inquérito reforçada, como escreve a PGR?

Passe a imagem, recorda-me uma colega mais velha que, enquanto se deliciava ao almoço com uma bem terrena e acolitada alheira, queixava-se amargamente do infortúnio divino inexplicável que ditava as suas ilhargas transbordantes...

Claro que já houve quem visse nisto uma forma de a PGR se desculpar em antecipação por algo que possa “correr mal” em julgamento. Não acredito nessa tese.

Apesar de já ter tido nas mãos acusações em que um procurador fazia afirmações absolutamente erradas pelo mais elementar bom senso e chamando-lhes prova.

Apesar de já ter visto em julgamento procuradores a sustentar acusações por fraude fiscal de milhões em sede de IVA sem saberem como devem as empresas entregar regularmente ao Estado o IVA cobrado aos clientes.

Ou apesar de até já ter sido confrontado com a história divertida de uma antiga aluna minha que entrou um dia num serviço do Ministério Público para saber mais informações sobre a profissão (estava nos últimos meses da licenciatura) e por pouco não ter sido erigida em substituta do procurador – sim, ainda hoje há recém-licenciados em Direito a fazerem as funções de procurador da República sem o serem, apesar de proporcionalmente termos quase o triplo dos procuradores de Espanha ou o dobro da Alemanha.

Mesmo assim, não me parece que isto possa fazer parte de uma qualquer estratégia defensiva da PGR. Infelizmente, creio que nem isso.

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