Orgulho e preconceito. A tragédia europeia

O preconceito não nasceu com a crise do euro, mas é verdade que piorou com ela. De parte a parte. Agora passou uma fronteira.

Copos e mulheres. Jeroen Dijsselbloem tem uma tese sobre o que os países do Sul fazem ao dinheiro que o Norte lhes empresta. E o Sul tem uma outra sobre ele: que não acabou o mestrado, que é austeritário, que é dispensável. Tristemente, a polémica dos copos e mulheres faz jus à Europa que temos hoje: uma montanha de preconceito e orgulho, que divide uns e os outros, mais do que divide a esquerda e a direita.

Infelizmente não é verdade que este preconceito seja coisa nova, nascida e criada com a crise do euro. Se bem se lembram, tudo isto começou com um francês e um alemão, que destruíram as anedotas que começavam assim e decidiram construir uma zona monetária única, com um banco central comum. Mitterrand e Kohl fizeram-no contra muitas ideias feitas dentro dos seus países, teimando que essa era a maneira de segurar a paz e unir os povos. Seguraram a paz, mas não venceram o preconceito. Hoje como então, os que tinham uma moeda forte e uma economia sólida acham o Sul perguiçoso; hoje como então, os do Sul olham para o Norte como dominante, que só quer impor a lei do mais forte. 

O preconceito não nasceu com a crise do euro, mas é verdade que piorou com ela. Até na liderança do Eurogrupo. A Jeroen Dijsselbloem era fácil destruir a tese. Dizer ao ministro holandês que França e Alemanha foram os primeiros países a violar o Pacto de Estabilidade; que foi por decisão da Comissão Prodi e do Conselho Europeu que os dois países foram poupados a consequências; que foi por ordem do Conselho que os governos do euro reagiram à crise financeira americana, despejando dinheiro nas economias; que países como Portugal cumpriram à risca os compromissos que assinaram; que países como Portugal têm conseguido melhores saldos primários do que muitos do Norte europeu.

Porém, para não se responder ao preconceito com orgulho (e mais preconceito), o Sul também se teria que se olhar ao espelho: perceber que há diferenças entre países competitivos e menos competitivos; que os segundos não têm a mesma liberdade orçamental que os restantes; ou, mais importante até, reconhecer que não é só do lado de cá que há um povo que vota e tem que ser ouvido, do outro lado também há quem pense e escolha consoante os seus próprios interesses. Se isto for muito difícil, é pensar como no Continente se olha para as regiões autónomas, talvez ajude.

Dito isto, se a Europa sempre foi um sítio de incompreensões, o que as declarações de Dijsselbloem nos mostram é que se passou uma fronteira dos tempos de Mitterand e Kohl para os de hoje. Não a dos copos, a da decência. Para o nosso bem comum, era bom que os líderes que se seguem soubessem olhar para trás e recuperar os bons exemplos. 

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