“Nier: Automata”: Glória a Yoko Taro!

Yoko Taro diz produzir "jogos estranhos para gente estranha". Estranho, talvez seja não existirem muito mais jogos com a ambição, imaginação e imprevisibilidade dos que faz

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A premissa de Nier: Automata, o monumental novo jogo de Yoko Taro, é simples. Num futuro distante, uma invasão extraterrestre obrigou a humanidade a refugiar-se na Lua. No final da 14ª Guerra Maquinal, que decorre 10 mil anos exactos após a II Guerra Mundial (11939-11945), uma força especial de andróides ao serviço da humanidade procura libertar a Terra das “formas de vida maquinais”, robots que a ocupam em defesa dos invasores. A seu tempo, esmorecerá o sentido do conflito para ambas as partes, mas nem por isso estas, que nele encontram o principal sentido de existirem, deixarão de se guerrear.

Andróides e “máquinas” que, no processo de emularem cada vez melhor comportamentos e sentimentos humanos, perpetuam a espiral de violência é o terrível espelho que Yoko Taro usa para nos reflectirmos enquanto espécie particularmente beligerante, como se programada - uso o termo intencionalmente - para agredir permanentemente com justificação em causas vãs. O sacrifício, tema central da obra de Yoko Taro, é retomado, por esta via, destituído de heroísmo, em Nier: Automata: do sacrifício inicial de dois protagonistas até ao sacrifício proposto ao próprio jogador para "ajudar os fracos", outros jogadores, no final “verdadeiro” do jogo.

Como o original Nier (de 2010), Automata é ousado, apesar de mais acessível que o antecessor, em termos de experimentação narrativa. Ao longo do jogo - que prossegue para além do primeiro “final” -, controlaremos três andróides da unidade de elite YoRHa. Depois de terminada a primeira “campanha” como um andróide de combate (2B), repeti-la-emos, no essencial, com um andróide de reconhecimento (9S). O espírito inquisitivo de uma unidade programada para recolher informação permitirá reperspectivar parte importante das nossas acções e motivações anteriores, e, sobretudo, reapreciar a natureza dos nossos oponentes, à medida que observamos neles indícios de senciência. Mais tarde, assume-se o controlo de um andróide desertor (A2), um lobo solitário, em alternância com 9S, numa “campanha” nova que estende o jogo narrativamente e lhe acrescenta revelações determinantes. Na minha opinião, foi num artigo publicado no site Gamezone que melhor se expôs a natureza da visão singular que Yoko Taro tem dos videojogos: os actos violentos dos jogadores não devem ser premiados, pelo que as conclusões dos seus jogos tendem a provocar neles uma catarse emocional.

Nier: Automata incorpora também múltiplos géneros. Uma das melhores sequências de acção que alguma vez encontrei num videojogo é uma montagem paralela de dois combates de boss em Automata, em que A2 e 9S combatem em simultâneo uma dupla de “Golias” mecânicos esféricos em lugares diferentes, numa alternância vibrante entre personagens e espaços, mas também entre hack and slash e shmup. Esta sequência é antecedida, alguns momentos antes, de longos minutos de texto, de “ficção interactiva”, atrevimento que talvez só Yoko Taro ouse num jogo desta dimensão. A variedade de géneros, aqui ilustrada com exemplos extremados, e sobretudo a notável coesão com que todos eles são integrados no conjunto, surpreenderá até à conclusão do jogo.

Nier: Automata continua a testemunhar a visão única de Yoko Taro, sobre, a um tempo, os videojogos e a condição humana. Inventivo, irónico, reflexivo e imprevisível, Nier: Automata é uma explosão constante de ideias sobre o jogador - divertindo-o, intrigando-o, comovendo-o ou desarmando-o. Yoko Taro diz produzir "jogos estranhos para gente estranha". Estranho, talvez seja não existirem muito mais jogos como os que faz.

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