UE vai suspender importações de empresas envolvidas no escândalo de carne no Brasil

Operação policial que durava há dois anos poderá envolver 22 empresas, algumas das quais exportavam carne estragada para vários pontos do mundo, incluindo países europeus.

A Comissão Europeia revelou nesta segunda-feira que está a monitorizar as importações de carne do Brasil e que todas as empresas envolvidas no chamado escândalo de carne serão impedidas de exportar para a União Europeia.

A Polícia Federal lançou na sexta-feira uma operação para desarticular uma organização criminosa envolvendo fiscais agro-pecuários e 22 empresas, incluindo as gigantes BRF e JBS. A investigação, denominada Carne Fraca e que durava há dois anos, apontou fraudes na fiscalização sanitária, com o pagamento de subornos para libertação de mercadorias adulteradas e estragadas e poderá ser alargada a cerca de 40 empresas no total.

As autoridades brasileiras falam mesmo na utilização de produtos químicos, alguns dos quais cancerígenos, para prolongar artificialmente a validade da carne ou para retirar o cheiro a podre nas carnes estragadas. Revelam ainda que nas escutas efectuadas foram detectadas conversas sobre utilização de cabeça de porco na produção de enchidos, o que no Brasil é proibido.

Segundo a Polícia Federal brasileira, havia também carnes contaminadas com salmonela em sete contentores de uma das companhias envolvidas, produtos que seriam exportados para a Europa. As autoridades nacionais ainda não apuram qual o volume de carne estragada que chegou aos consumidores nos últimos anos, nem as quantidades que foram usadas no Brasil ou exportadas.

Na sexta-feira, as autoridades referiram também que havia carne que era misturada com papelão. Uma das empresas envolvidas emitiu entretanto um comunicado em que afirma que as referências ao papelão detectadas em algumas das escutas feitas pela polícia diziam respeito ao processo de embalagem da carne e não a qualquer tipo de mistura.

"Eles usam ácidos, outros ingredientes químicos, em quantidades muito superiores à permitida por lei pra poder maquilhar o aspecto físico do alimento estragado ou com mau cheiro", explicou na sexta-feira o delegado da Polícia Federal responsável pela investigação, Maurício Moscardi Grillo.

O delegado Grillo explicou ainda que os problemas encontrados na carne das empresas investigadas pela operação iam desde mudar a data de validade e a embalagem de carnes estragadas, até injectar água em frangos para alterar seu peso e mascarar a deterioração de carnes com o uso de ácido ascórbico.

"São dois anos de análise de factos, desde utilização de papelão nas carnes pelas empresas investigadas e outros tipos de fraudes, em matéria-prima que chegava ao mercado das mais variadas formas, nomeadamente em enlatados, e que podem prejudicar a saúde humana. (...) Tudo isso mostra que o que interessa para esse grupo é o capitalismo, é o mercado, independente da saúde pública", acrescentou o delegado.

A operação mobilizou, só na sexta-feira, 1100 agentes da polícia, que actuaram simultaneamente em sete estados brasileiros e emitiram 27 pedidos de prisão preventiva e 11 pedidos de detenção.

“A Comissão garantirá que quaisquer dos estabelecimentos implicados na fraude sejam suspensos de exportar para a UE", disse disse o porta-voz do executivo comunitário para a saúde, Enrico Brívio, na conferência de imprensa diária. O executivo comunitário sublinhou, no entanto, que o escândalo da carne não terá qualquer impacto nas negociações em curso entre a União Europeia e o Mercosul, no qual os dois lados esperam chegar a acordos sobre livre comércio.

Também nesta segunda-feira a Coreia do Sul e a China anunciaram que vai intensificar a fiscalização da carne de frango importada do Brasil e banir temporariamente as vendas das empresas envolvidas no escândalo. Mais de 80% das 107.400 toneladas de frango importadas pela Coreia do Sul no ano passado tinham o Brasil como país de origem, sendo quase metade fornecida pela BRF, uma das grandes empresas envolvidas na fraude.

Já na tarde desta segunda-feira também o Chile anunciou ter suspendido temporariamente a importação de carne brasileira.

Empresas de nível mundial

As duas principais empresas envolvidas no escândalo da Carne Fraca, a BRF e a JBS, apresentam-se como estando entre as maiores empresas no sector a nível mundial.

A BRF, há mais de 80 anos no mercado e com mais de 30 marcas no seu portfólio, tem produtos comercializados em mais de 150 países, nos cinco continentes. Mais de 105 mil funcionários mantêm 54 fábricas em sete países: Argentina, Brasil, Emirados Árabes Unidos, Holanda, Malásia, Reino Unido e Tailândia.

Já a JBS, com mais de seis décadas de história, diz ser uma das líderes globais da indústria de alimentos e conta com mais de 230 mil colaboradores no mundo. A companhia, presente em mais de 20 países, representa dezenas de marcas na área alimentar.

O Brasil é o maior exportador mundial de carne bovina e de frango e o quarto no segmento de carne de porco. A exportação de carne de vaca, porco e frango valeu à economia brasileira cerca de 13 mil milhões de euros no ano passado.

Depois de conhecidos os resultados da operação Carne Fraca, na sexta-feira. O Governo brasileiro tentou conter os efeitos do escândalo no mercado internacional e nos consumidores, montando uma operação que visou atenuar os efeitos na economia.

O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, classificou como exagerada a “narrativa da Polícia Federal”, o que, segundo ele, gerou “fantasias”. Revelou, porém, que ia haver fiscalização mais apertada junto dos principais suspeitos e prometeu identificar os lotes vendidos por essas empresas.

Já o Presidente Michel Temer, para tentar mostrar a qualidade da carne do país, convidou os embaixadores de 33 países importadores de carne para um jantar numa churrascaria no passado domingo. Temer afirmou que, das 4837 unidades frigoríficas do país, a suspeita recai sobre apenas duas dezenas delas.

Já nesta segunda-feira, Michel Temer afirmou que a totalidade dos 4.850 matadouros no Brasil não pode ser prejudicada por episódios pontuais. Salientou ainda que “apenas três foram interditados e 19 serão investigados”. "Serão investigados. Não quer dizer que foram julgados", afirmou.

O presidente brasileiro salientou ainda que dos 853 mil embarques de carnes para o estrangeiro ao longo dos últimos seis meses, “apenas 184 foram considerados pelos importadores como não estando em condições”, muitas vezes por causa de temas não sanitários, como rotulagem e preenchimento de certificados.

Temer serviu carne estrangeira?

Porém, a operação de charme de Temer acabou por não correr da melhor maneira. O jornal Estado de São Paulo contactou Rodrigo Carvalho, um dos gerentes da churrascaria Steak Bull, onde o Presidente jantou com os embaixadores, que afirmou que o restaurante não serve carne bovina brasileira.

“Só trabalha com corte europeu, australiano e uruguaio”, afirmou o gerente. “A gente trabalha com transparência, quando a senhora vier aqui, pode me procurar que eu mostro a nossa câmara fria, mostro nosso açougue [talho]”, disse à jornalista.

Após o jornal fazer esta revelação, o gabinete de Temer emitiu um comunicado a garantir que as carnes servidas eram brasileiras: “Todas carnes servidas, neste domingo, ao Presidente Michel Temer e aos embaixadores convidados para jantar na churrascaria Steak Bull foram de origem brasileira. A gerência do estabelecimento inclusive apresentou os produtos servidos a órgãos sérios da imprensa que questionaram a origem do produto.”

Depois do Palácio do Planalto divulgar a nota, outro gerente da churrascaria, Paulo Godoi, contactou o Estado de São Paulo para dizer que a picanha vendida no restaurante é australiana, mas que no domingo, “excepcionalmente, para o presidente Temer foi oferecida corte de marca brasileira”.

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