Canadá tem rochas que são “filhas” da crosta original da Terra

Análises a amostras de rochas recolhidas no Escudo Canadiano revelam uma assinatura que estará associada à formação da primeira crosta do nosso planeta.

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Os investigadores Jonathan O’Neil e Richard Carlson com mochilas cheias de rochas às costas Alexandre Jean
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Crosta continental a norte do Quebeque, no Canadá Isabelle Lafrance

A história da crosta terrestre primordial é um segredo bem guardado pela actividade geológica que, num processo constante de reciclagem, fusão e movimento, foi apagando informação sobre as suas origens. Porém, as investigações de persistentes cientistas já resultaram na descoberta, no Canadá, daquelas que se julga serem as rochas mais antigas da Terra, com 4200 milhões de anos. Agora, investigadores do Canadá e EUA publicaram um artigo na edição desta semana da revista Science com os resultados de análises a algumas rochas encontradas numa região chamada Escudo Canadiano e que revelam que estas amostras preservam a assinatura do momento de formação da crosta da Terra.

Em pedaços de rochas da família do granito formadas há 2700 milhões de anos, encontrados a Norte dos Grandes Lagos, no Canadá, foram detectadas componentes da crosta terrestre que existiam há mais de 4200 milhões de anos. “Sabemos que estas rochas da família do granito não são uma rocha primordial que vêm do manto da Terra, são rochas que tiveram de ter um antepassado – um pai rocha ou uma mãe rocha, se preferirem – que derreteu e as formou”, explica Jonathan O’Neil, investigador do Departamento de Terra e Ciências Ambientais da Universidade de Otava, num vídeo sobre o artigo na Science. As amostras analisadas fazem parte do que os investigadores chamam “cratões” (unidades geológicas muito antigas), como o do Escudo Canadiano, que é considerado o núcleo do continente norte-americano.

Jonathan O’Neil e Richard Carlson, este último investigador do Departamento de Magnetismo Terrestre, do Instituto de Carnegie em Washington, usaram isótopos específicos (dos elementos químicos samário e neodímio) para procurar a assinatura da rocha precursora destas amostras. “Estas rochas têm cerca de 2700 milhões de anos mas conseguimos ver que os seus “pais” tinham 4200 milhões de anos”, diz Jonathan O’Neil.

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Baía de Hudson, no Norte do Quebeque, no Canadá Alexandre Jean

A própria Terra formou-se há 4600 milhões de anos e é muito raro encontrar-se restos da crosta original, a maior parte da qual foi esmagada e reciclada no interior do planeta várias vezes. Ao longo do tempo, as placas continentais e oceânicas afastaram-se, embateram, foram sendo criadas através da actividade vulcânica e formaram-se oceanos, montanhas, mares, esculpindo a geografia do planeta.

Em 2008, estes dois cientistas anunciaram a descoberta das mais antigas rochas na Terra. Tinham estudado amostras de uma cintura de rochas metamórficas chamada Nuvvuagittuq. Ao medirem a composição dos isótopos de neodímio e de samário, conseguiram datar as amostras entre os 3800 e 4280 milhões de anos.

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Close-up da crosta continental no Norte do Quebeque, no Canadá Véronique Villeneuve

Agora, Jonathan O’Neil e Richard Carlson pegaram em rochas mais recentes que existem na mesma região da Baía de Hudson, no Canadá. Os investigadores defendem que a formação destas rochas graníticas pobres em magnésio requereu necessariamente a “reciclagem” de rochas mais antigas, ricas em magnésio. E, tendo em conta a idade destas pedras, o tempo que a reciclagem de rochas ricas em magnésio exige e a relação entre as quantidades de samário e neodímio detectadas nas análises, os autores do artigo concluem que partes da crosta terrestre – com mais de 4200 milhões de anos – estão misturadas nestas rochas.

Isto quer dizer que os blocos de pedra cinzenta que estes cientistas seguram nas mãos preservam a assinatura de um antigo momento de diferenciação na Terra, relacionado com a formação da primeira crosta. “Ao encontrar nestas rochas o seu parente no passado, conseguimos perceber melhor como é que os núcleos dos nossos continentes mais antigos estabilizaram e se formaram ao longo do tempo. É uma importante peça do puzzle”, sublinha Jonathan O’Neil.

Os resultados das análises mostram que há uma parte da crosta terrestre primordial que não se perdeu e que se foi misturando durante a formação dos continentes. É mais um argumento, desta vez trazido pela geoquímica, para os que defendem que na natureza nada se perde e tudo se transforma.

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