ETA anuncia desarmamento, Madrid não aceita nada menos do que a dissolução

Plano para a entrega de armas, escondidas no País Basco francês, foi anunciado para 8 de Abril e envolverá associações da sociedade civil. Governo espanhol garante que a sua posição "não se alterou um centímetro".

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Poderá ser o derradeiro passo para enterrar o que restou de mais de 50 anos de violência e terror. Num anúncio recebido com “optimismo” no País Basco e “cautela” em Madrid, a ETA fez saber que pretende entregar dentro de três semanas os arsenais que ainda possui, cinco anos e meio depois de ter proclamado o “fim definitivo da sua actividade armada”. Os detalhes da operação são ainda pouco claros e não está garantida a cooperação das autoridades francesas – é no seu território que está a quase totalidade das armas e explosivos da organização.

“A ETA confiou-nos a responsabilidade do desarmamento do seu arsenal e, na tarde de 8 de Abril, a ETA estará totalmente desarmada”, anunciou, citado pelo jornal Le Monde, Jean-Noel Etcheverry Txetx, um dos porta-vozes do Bake Bidea (Caminho para a Paz), um movimento que reúne políticos, sindicatos e associações do País Basco francês empenhados em fazer avançar um processo de paz que ninguém quis iniciar desde que, em Outubro de 2011, a organização anunciou o fim das acções terroristas, que se saldaram em mais de 800 mortos.

Txetx foi um dos cinco activistas detidos em Dezembro na região de Baiona quando alegadamente tentavam entregar dez caixas com armamento dos etarras à polícia francesa, que não se comprometera oficialmente a recebê-las. Na altura, as autoridades dos dois países adiantaram que as 50 armas apreendidas (revólveres, pistolas-metralhadoras e espingardas automáticas) constituiriam 15% do arsenal da organização. Escreve o jornal El País que o fracasso da iniciativa convenceu a ETA de que não seria possível negociar com Madrid ou Paris o seu desarmamento e, sob pressão da esquerda abertaze (nacionalista) para encerrar o capítulo da violência, decidiu acelerar a entrega de armas.

Pouco se sabe sobre o plano. Txetx disse apenas que será uma operação de uma dimensão nunca vista, que envolverá “centenas de pessoas”, entre políticos e membros da sociedade civil. Iñigo Urkullu, presidente do governo autónomo do País Basco espanhol, que juntamente com um grupo de observadores internacionais deverá ter um papel nesta entrega, prometeu “fazer tudo quanto esteja ao seu alcance para que o processo chegue a bom porto”. Mas pouco revelou sobre o que está a ser negociado, “a fim de preservar” as hipóteses de sucesso.

Urkullu pediu também aos governos francês e espanhol que não criem obstáculos a um desfecho “ansiado pela sociedade basca” dos dois lados da fronteira. O Le Monde assegura, no entanto, que o Bake Bidea não tem garantias de que as autoridades francesas aceitarão receber as armas, ou sequer a promessa de que a operação não será frustrada por uma intervenção policial. Um dos problemas, explica o jornal, é que parte do arsenal está escondido em casas de particulares, que arriscam ser detidos caso algo que corra mal. “Se para entregar as armas for necessário arriscar a prisão, a porta do desarmamento pode fechar-se”, disse ao diário Michel Tubiana, presidente da Liga Francesa dos Direitos Humanos.

Numa primeira reacção à notícia, o porta-voz do Governo espanhol assegurou que a posição de Madrid “não se alterou um centímetro” em relação a 2011, insistindo que a ETA “tem de desarmar-se e dissolver-se”. Estas são duas das condições impostas pelo executivo de Mariano Rajoy ao que resta da organização basca, à qual ainda em Dezembro o ministro do Interior, Juan Inacio Zoido, exigia também que “manifeste o seu arrependimento, peça perdão às vítimas e repare o mal causado”.

“Aos olhos de Madrid, o envolvimento da sociedade civil no desarmamento é uma estratégia dos separatistas para rescrever a História”, escreve o Le Monde, citando especialistas espanhóis que vêem no plano anunciado esta sexta-feira uma tentativa para decalcar o processo de paz na Irlanda do Norte. Uma posição que faz prever forte pressão sobre Paris, prestes a escolher um novo Presidente, para que mantenha inalterada a sua política de cooperação policial. 

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