Medicina

Um país com falta de médicos (e onde os futuros médicos não querem ficar)

“Acho que nenhum dos meus colegas pensa em ficar aqui”, confessou Sonia Papiu. “Penso que posso aprender mais no estrangeiro. Os estagiários têm mais responsabilidades lá” Reuters/Andreea Campeanu
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“Acho que nenhum dos meus colegas pensa em ficar aqui”, confessou Sonia Papiu. “Penso que posso aprender mais no estrangeiro. Os estagiários têm mais responsabilidades lá” Reuters/Andreea Campeanu

Apesar de a Roménia ser um dos países da União Europeia (UE) com o maior número de médicos licenciados, o sistema - corrupto, ineficiente e politizado - não é capaz de motivá-los a permanecer no país.

Sonia Papiu começou o primeiro ano de especialização como psiquiatra há menos de três meses, na cidade romena de Cluj, mas já decidiu que até ao final do ano vai sair do país. Assim como a maioria dos jovens que iniciam o seu estágio em medicina, Sonia acredita que lá fora consegue encontrar mais oportunidades de aprendizagem e hospitais com melhores condições de trabalho. “Acho que nenhum dos meus colegas pensa em ficar aqui”, confessou Sonia em entrevista à Reuters. “Penso que posso aprender mais no estrangeiro. Os estagiários têm mais responsabilidades lá”.

Desde que a Roménia entrou para a UE, em 2007, o país perdeu dezenas de milhares de médicos, enfermeiros, dentistas e farmacêuticos, que procuram no exterior aquilo que carece no país: salários consideravelmente mais elevados, infra-estruturas modernas e sistemas de saúde funcionais. A França, Alemanha e Grã-Bretanha estão entre os destinos mais populares.

As consequências desta emigração são visíveis. A Roménia é um dos países da UE com menos médicos, onde quase um terço das posições hospitalares estão por preencher. O Ministério da Saúde estima que um em cada quatro romenos tem um acesso insuficiente aos cuidados de saúde essenciais. "Os hospitais estão a enfrentar um grande défice de pessoal e há cidades que não têm um médico de família", disse o ex-ministro da Saúde, Vlad Voiculescu.

Nas áreas mais rurais, o problema é ainda maior. "Como temos apenas um médico para a maioria das especialidades, quando um médico vai de férias temos de fechar o departamento", disse Cristian Vlad, gerente do hospital em Viseul de Sus, uma pequena cidade perto da fronteira ucraniana com cerca de 18 mil habitantes. Segundo Vlad, até ao ano passado três hospitais da região dividiram um anestesista. "Tenho esperança de que os nossos médicos estagiários mudem de ideias e permaneçam nos pequenos hospitais", confessou Vlad.

Andreea Kis é uma excepção à grande vaga de emigração. Há quase cinco anos, mudou-se para a vila de Tureni com o marido e os dois filhos para trabalhar como médica de família. “Escolhi ser médica de família porque é algo compatível com a vida familiar", disse Kis. "Nas aldeias, as pessoas conseguem preservar melhor a sua humanidade”.

A Roménia já está a tomar algumas medidas para combater a falta de médicos no país. O salário médio do sistema de saúde aumentou para 2609 leus romenos (cerca de 565 euros), quase o dobro de três anos atrás. Contudo, ainda não se ajusta aos padrões ocidentais. Em 2016, o Ministério da Saúde criou um plano plurianual para a profissão médica, incluindo um processo de recrutamento mais simples, mais oportunidades de promoção e subsídios para os médicos dispostos a mudar para aldeias remotas. Contudo, a estratégia ainda não foi aprovada pelo primeiro-ministro social-democrata Sorin Grindeanu, eleito em Janeiro deste ano. "As medidas para melhorar os cuidados de saúde estão em vigor, mas o sistema sofre de ineficiências, acessibilidade limitada e corrupção", disse a Comissão Europeia no mês passado.

Corredor do dormitório dos estudantes de medicina em Cluj-Napoca, na região da Transilvânia, Roménia
Corredor do dormitório dos estudantes de medicina em Cluj-Napoca, na região da Transilvânia, Roménia Reuters/Andreea Campeanu
Apesar de a Roménia ser um dos países da União Europeia (UE) com o maior número de médicos licenciados, o sistema - corrupto, ineficiente e politizado - não é capaz de motivá-los a permanecer no país
Apesar de a Roménia ser um dos países da União Europeia (UE) com o maior número de médicos licenciados, o sistema - corrupto, ineficiente e politizado - não é capaz de motivá-los a permanecer no país Reuters/Andreea Campeanu
Actualmente, existem mais de 6600 estudantes na Universidade de Medicina e Farmácia em Cluj-Napoca, dos quais cerca de 2260 são estrangeiros
Actualmente, existem mais de 6600 estudantes na Universidade de Medicina e Farmácia em Cluj-Napoca, dos quais cerca de 2260 são estrangeiros Reuters/Andreea Campeanu
Sala de cirurgia do hospital de Borsa, na região da Transilvânia, Roménia
Sala de cirurgia do hospital de Borsa, na região da Transilvânia, Roménia Reuters/Andreea Campeanu
Hospital em Borsa, Roménia
Hospital em Borsa, Roménia Reuters/Andreea Campeanu
A médica Andrada Ganea trabalha em Bogdan Voda como médica de família enquanto que o seu marido, também médico, Robert Ganea, trabalha nas aldeias na periferia da cidade
A médica Andrada Ganea trabalha em Bogdan Voda como médica de família enquanto que o seu marido, também médico, Robert Ganea, trabalha nas aldeias na periferia da cidade Reuters/Andreea Campeanu
Andreea Kis é uma excepção à grande vaga de emigração. Há quase cinco anos, mudou-se para a vila de Tureni com o marido e os dois filhos para trabalhar como médica de família
Andreea Kis é uma excepção à grande vaga de emigração. Há quase cinco anos, mudou-se para a vila de Tureni com o marido e os dois filhos para trabalhar como médica de família Reuters/Andreea Campeanu
“Escolhi ser médica de família porque é algo compatível com a vida familiar", disse Andreea Kis. "Nas aldeias, as pessoas conseguem preservar melhor a sua humanidade”
“Escolhi ser médica de família porque é algo compatível com a vida familiar", disse Andreea Kis. "Nas aldeias, as pessoas conseguem preservar melhor a sua humanidade” Reuters/Andreea Campeanu
Uma mãe segura o bebé durante uma visita ao domicílio do médico Robert Ganea, na aldeia de Sacel, Roménia
Uma mãe segura o bebé durante uma visita ao domicílio do médico Robert Ganea, na aldeia de Sacel, Roménia Reuters/Andreea Campeanu
Uma mãe segura o filho durante uma visita ao domicílio da médica Andrada Ganea, em Bogdan Voda, Roménia
Uma mãe segura o filho durante uma visita ao domicílio da médica Andrada Ganea, em Bogdan Voda, Roménia Reuters/Andreea Campeanu
Na aldeia de Salistea de Sus, com cerca de 5.000 habitantes, apenas existem dois médicos
Na aldeia de Salistea de Sus, com cerca de 5.000 habitantes, apenas existem dois médicos Reuters/Andreea Campeanu
"Como temos apenas um médico para a maioria das especialidades, quando um médico vai de férias temos de fechar o departamento", disse Cristian Vlad, gerente do hospital em Viseul de Sus
"Como temos apenas um médico para a maioria das especialidades, quando um médico vai de férias temos de fechar o departamento", disse Cristian Vlad, gerente do hospital em Viseul de Sus Reuters/Andreea Campeanu
Pacientes esperam para serem atendidos no hospital da aldeia de Salistea de Sus, Roménia
Pacientes esperam para serem atendidos no hospital da aldeia de Salistea de Sus, Roménia Reuters/Andreea Campeanu
A médica Gabriela Dromereschi e a sua enfermeira conversam com uma paciente no consultório, em Salistea de Sus
A médica Gabriela Dromereschi e a sua enfermeira conversam com uma paciente no consultório, em Salistea de Sus Reuters/Andreea Campeanu
De acordo com o gerente do hospital em Viseul de Sus, Cristian Vlad, até o ano passado três hospitais da região dividiram um anestesista
De acordo com o gerente do hospital em Viseul de Sus, Cristian Vlad, até o ano passado três hospitais da região dividiram um anestesista Reuters/Andreea Campeanu
Anuta Iuga tem 65 anos e é uma das pacientes da doutora Gabriela Dromereschi, em Salistea de Sus, região da Transilvânia, Roménia
Anuta Iuga tem 65 anos e é uma das pacientes da doutora Gabriela Dromereschi, em Salistea de Sus, região da Transilvânia, Roménia Reuters/Andreea Campeanu
"Os hospitais estão a enfrentar um grande défice de pessoal e há cidades que não têm um médico de família", disse o ex-ministro da Saúde, Vlad Voiculescu
"Os hospitais estão a enfrentar um grande défice de pessoal e há cidades que não têm um médico de família", disse o ex-ministro da Saúde, Vlad Voiculescu Reuters/Andreea Campeanu
A Roménia é um dos países da UE com menos médicos, onde quase um terço das posições hospitalares estão por preencher
A Roménia é um dos países da UE com menos médicos, onde quase um terço das posições hospitalares estão por preencher Reuters/Andreea Campeanu
Cristian Vlad, gerente do hospital em Viseul de Sus, conseguiu trazer um médico sírio e um médico moldavo para ocupar as posições que estão em falta
Cristian Vlad, gerente do hospital em Viseul de Sus, conseguiu trazer um médico sírio e um médico moldavo para ocupar as posições que estão em falta Reuters/Andreea Campeanu
Lacrima Dambu, médica romena que trabalha na Alemanha há cinco anos, segura o sobrinho ao colo, em Cluj-Napoca, Romênia
Lacrima Dambu, médica romena que trabalha na Alemanha há cinco anos, segura o sobrinho ao colo, em Cluj-Napoca, Romênia Reuters/Andreea Campeanu