Wall Street confiante em menos regulação com Trump

A Reserva Federal norte-americana decidiu esta quarta-feira mais uma subida de taxas, confirmando o fim da era do dinheiro barato. Mas terá Donald Trump ainda uma palavra a dizer?

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Plano de Trump é aguardado com expectativa em Wall Street JIM LO SCALZO/REUTERS

Mesmo no centro da sala de mercados mais famosa do mundo, Jarret Johnson, um dos corretores a trabalhar na Bolsa de Nova Iorque, não dá qualquer sinal de nervosismo e ansiedade. Ao mesmo tempo que bebe um café, vai olhando ocasionalmente para os dois ecrãs que estão à sua frente. No dia anterior, Donald Trump tinha publicado na sua conta do twitter frases sobre empresas cotadas na Bolsa de Nova Iorque e este era mais um dia de divulgação de indicadores importantes para o desempenho da economia norte-americana, mas a verdade é que, em Wall Street, em vez de se assistir a um clima de agitação entre os corretores, o que se ouve são apenas as vozes dos jornalistas que fazem a cobertura em directo da abertura de mais uma sessão bolsista.

A calma, explica o corretor, existe porque as coisas na Bolsa de Nova Iorque agora já não são como eram no passado. “Há 18 anos, quando comecei a trabalhar aqui, nem poderia sequer falar convosco, tinha sempre de estar a vigiar vários títulos, decidir que ordens emitir. Agora é quase tudo automático”, diz, mostrando como, ao usar algoritmos para definir quando e como efectuar ordens de compra e venda de determinadas acções, grande parte da acção no mercado é feita agora de forma silenciosa e quase sem intervenção humana. A sua acção, na prática, apenas se torna verdadeiramente necessária quando algo de inesperado acontece, algo que não se conseguiu antecipar nos algoritmos.

Mas há ainda um outro motivo muito importante para o ambiente de serenidade: a bolsa de Nova Iorque está em alta. O índice Dow Jones – que reúne as 30 principais empresas cotadas – superou no final de Janeiro os 20.000 pontos pela primeira vez e tem continuado a subir, numa das mais impressionantes séries de resultados dos últimos anos, não registando uma descida diária superior a 1% há já mais de 100 dias, algo que já não acontecia desde 1995.

E, de forma surpreendente, os novos máximos históricos acontecem, não só numa altura em que se assiste a uma subida das taxas de juro (algo que geralmente não ajuda a um bom desempenho nas bolsas), como também durante um período em que subsistem muitas dúvidas em relação a quais serão as políticas económicas seguidas pela nova Casa Branca.

Não é afinal de incerteza que os mercados menos gostam? Não saber qual será exactamente a política fiscal, comercial e orçamental para os próximos anos não será um motivo para os investidores serem um pouco mais prudentes?

Aparentemente não. Desde que Donald Trump venceu, de forma considerada surpreendente, as eleições presidenciais, os principais índices da Bolsa de Nova Iorque valorizaram-se mais de 11%, um sinal claro de que, mesmo apesar da incerteza, em Wall Street se avança com confiança para os quatro anos da nova presidência.

Menos regulação

Ainda assim, entre aqueles que todos os dias realizam ordens de compra e venda de acções, há uma grande reticência em assumir o papel que Trump está a desempenhar na subida das acções. A principal explicação que é dada está no facto de, acompanhando uma aceleração das taxas de crescimento da economia, se estar a assistir a uma melhoria generalizada dos resultados das empresas cotadas, com a correspondente subida dos dividendos entregues aos donos das acções. “Tem tudo a ver com os dividendos, não tem a ver com Trump e aquilo que poderá fazer”, garante um corretor. “Se a economia está bem, nós ficamos satisfeitos”.

Mas muitos analistas apontam para outras explicações, muito mais relacionadas com as expectativas dos investidores em relação ao que pode significar a presidência Trump para as grandes empresas cotadas em Wall Street e para os mercados financeiros em geral.

Primeiro, há o programa de investimento em infraestruturas, que Donald Trump confirmou no seu discurso ao Congresso que será de um bilião de dólares, recorrendo unicamente aos serviços de empresas dos EUA. Ainda há dúvidas sobre se estes planos conseguirão uma total aprovação do Partido Republicano no Congresso, mas a ajuda no curto prazo que pode constituir para muitas empresas cotadas e para a economia é evidente.

Depois há a expectativa de que Trump, neste caso em total sintonia com o Partido Republicano, ponha em prática uma política de redução das regulações neste momento em vigor em vários sectores, desde a energia até ao sector financeiro. No caso do sistema financeiro, são vários os indícios de que o presidente e a sua administração estão disponíveis para reavaliar todas as regras que foram impostas depois da crise financeira de 2008. Bancos e seguradoras, por exemplo, queixam-se dos novos limites que foram impostos às suas actividades e a expectativa é que Trump, pelo menos em alguns casos, venha a responder positivamente a esses apelos. No passado, menos regulação significou para o sector financeiro um ritmo de crescimento muito elevado, que acabou mais tarde por se revelar extremamente frágil.

A nova Fed de Trump

Por fim, há aquilo que Donald Trump pode significar para uma das instituições com mais influência nos mercados: a Reserva Federal norte-americana (Fed). O banco central dos Estados Unidos da América voltou esta quarta-feira, de acordo com as expectativas generalizadas dos analistas, a subir a sua principal taxa de juro de referência.

Em resposta a indicadores mais positivos de crescimento económico e de criação de emprego, a entidade liderada por Janet Yellen confirma deste modo que chegou definitivamente a altura de tentar abandonar a era de dinheiro ultra-barato, a que se tem assistido nos EUA desde 2008, quando o Lehman Brothers faliu.

Apesar de ser uma resposta a notícias mais positivas na frente económica, subir taxas, contudo, significa também que a Fed vai deixar de dar o mesmo tipo de ajuda à economia que deu nos últimos anos. Depois de, durante a campanha para a presidência, ter acusado Janet Yellen de ter ajudado Barack Obama com juros demasiado baixos, irá agora Trump deixar sem luta que essa ajuda desapareça precisamente durante a sua presidência? Muitos apostam que não.

É verdade que o presidente não tem poderes para definir ou sequer influenciar as decisões que são tomadas pela Reserva Federal. Mas, por um acaso do calendário, Donald Trump vai ter a possibilidade de nomear até meados do próximo ano, cinco dos 12 membros que compõem o comité que define a política monetária nos Estados Unidos. Incluindo o cargo de presidente, já que Yellen conclui em Fevereiro o seu primeiro mandato, sendo considerado muito provável que não seja reconduzida.

É normal por isso que, no meio de uma subida dos dividendos e de vários factores de incerteza, impere um ambiente de entusiasmo. Uma combinação de expansionismo orçamental, desregulação e política monetária amigável para o crescimento já provou ser capaz de, embora nunca por muito tempo, fazer os mercados superarem novos limites.  

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