Serão os psicólogos necessidades temporárias para o Estado?

Que garantias permanentes são dadas às novas e menos novas gerações de portugueses de que o compromisso do Estado com a sua qualidade de vida e saúde não é precário?

Foram identificados no nosso país cerca de 100 mil trabalhadores precários no Estado, com vínculos desde contratos a prazo, a prestação de serviços, a contratos emprego-inserção, a realizar estágios ou com bolsa de investigação. É o próprio Governo que o afirma no relatório que fez o levantamento de instrumentos de contratação de natureza temporária na administração pública apresentado em Fevereiro último.

Com vista ao programa de combate à precariedade, abre-se a discussão não apenas em torno das relações contratuais laborais, mas na distinção entre necessidades permanentes e necessidades temporárias e no que daí resulta para (in)disponibilizar serviços aos cidadãos.

Os psicólogos representam um número residual no universo de trabalhadores públicos e, enquanto profissão liberal, apresentam uma taxa de desemprego de perto de 18%, o que é visto pelos decisores políticos como não sendo dramático.

Dramático, concordarão, é a evidência de outros números: um em cada cinco portugueses tem um problema de saúde mental, quando existem no Estado 598 psicólogos no Serviço Nacional de Saúde (SNS) — muitos deles com contratos anuais e precários — e dos 750 no Ministério da Educação (que não abre qualquer concurso desde 1999), 450 são contratados anualmente ao abrigo de alínea para “necessidades temporárias”, ano após ano, para desenvolver o seu trabalho efectivo em agrupamentos escolares.

Dramático é que esta prevalência — crítica para a saúde pública — tenderá, assim, no mínimo a manter-se, o que significa custos elevadíssimos para o próprio Estado, para as famílias e para os indivíduos que, sem acesso a psicólogos e a serviços permanentes de intervenção psicológica, verão as suas condições de doença e incapacidade alterar-se de temporárias para permanentes, de ligeira a grave e muito grave.

Dramático é que, quando é já conhecido o poderoso contributo que os psicólogos podem dar para a sustentabilidade do SNS através de intervenções custo-eficazes não farmacológicas focadas na prevenção e na promoção — afirmado e sublinhado pela Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) —, continuem a não ser reconhecidas na prática, através da contratação destes profissionais, as necessidades permanentes de saúde dos cidadãos.

Dramático é que, ainda que com campanhas de sensibilização da OPP para o papel do psicólogo da Educação como Escola SaudavelMente, as mães e os pais, as famílias, as escolas e as comunidades ainda não possam contar de forma permanente com a intervenção dos psicólogos que permitiria às crianças e adolescentes desenvolver competências socioemocionais e de auto-regulação do comportamento promotoras de saúde permanente.

Igualmente deficitária, a níveis dramáticos também, é a resposta ao nível dos serviços de cuidados de saúde psicológica no sector da Justiça e no sector social, em que a acção efectiva dos psicólogos poderia ser uma mais-valia expressiva na prevenção e na capacitação. Seria, pois, mais verdadeiro falar de resposta indisponível e de, consequentemente, não acesso a esta por parte dos cidadãos, que assim não têm apoio significativo para superarem as suas dificuldades individuais e em contexto.

Passarão os psicólogos a ser vistos como necessidades permanentes para efeitos de contratação, porque o seu papel na promoção da saúde, bem-estar e desenvolvimento dos cidadãos não é temporário? Que garantias permanentes são dadas aos portugueses de que o compromisso do Estado com a sua qualidade de vida e saúde não é precária?

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