Ser fascista em Portugal

Enquanto as convicções de uns continuarem a ser consideradas moralmente superiores às dos outros, nunca seremos uma democracia a sério.

É muito fácil ser fascista em Portugal. Eu, por exemplo, sou fascista várias vezes por semana nas caixas de comentários do Facebook. A grande vitória da extrema esquerda portuguesa foi ter conseguido que a palavra “fascista” fosse um insulto, e a palavra “comunista”, não. No entanto, qualquer pessoa que tenha lido dois livros de História, ame a liberdade e acredite nas primeiras palavras da Declaração de Independência americana – “consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais” e que entre os seus “direitos inalienáveis” estão “a vida, a liberdade e a procura da felicidade” –, não pode senão proclamar ao mundo, e aos portugueses de ouvido duro, que fascistas e comunistas são farinha do mesmo saco iliberal, e dois extremismos igualmente desprezíveis.

Tristemente, pelas razões históricas conhecidas, a Constituição portuguesa não trata o fascismo e o comunismo da mesma forma. A palavra “fascista” aparece três vezes, a palavra “comunista” nenhuma, e a palavra “socialista” uma só vez, no famoso preâmbulo que propõe ainda hoje que o país abra “caminho para uma sociedade socialista”. Como não se cansaram de nos relembrar aqueles que tentaram impedir Jaime Nogueira Pinto de falar na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, só a ideologia fascista está proibida de se organizar em Portugal. No artigo 46º da Constituição, dedicado à liberdade de associação, é dito no ponto 4 que “não são consentidas organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista”. No entanto, aqueles que apareceram a tentar justificar o injustificável com a Constituição na mão esquerda e as convicções ideológicas da Nova Portugalidade na mão direita, esqueceram-se deste pormenor: para alguém ser fascista não basta gritar “fascista!” à sua passagem, e até o PNR é legal e concorre às eleições em Portugal.

Como é que se explica esta estranha coisa? É simples: se, por um lado, é muito fácil ser fascista em Portugal, a verdade é que em Portugal ninguém quer ser fascista. O PNR não se declara fascista, mas sim um partido nacionalista. E a Nova Portugalidade renega a palavra e a ideologia – ela considera-se apenas um movimento patriota. Quem, como eu, considerou uma vergonha a atitude da associação de estudantes e da direcção da FCSH, teve direito a receber uma fotografia do principal mentor da conferência, o jovem Rafael Pinto Borges, ajoelhado no cemitério diante do túmulo de Salazar, ao qual havia levado (palavras do próprio no Facebook), “as suas flores predilectas”. No início ainda pensei que fosse a gozar, mas parece que é a sério. O rapaz peregrina em Santa Comba.

Ainda que o Rafael da Nova Portugalidade tenha declarado afastar-se de alguns aspectos menos bons do Estado Novo (como matar pessoas pelas suas opiniões, e tal), a paixão pelo senhor Oliveira é um facto. “O horror!, o horror!”, gritou a nossa esquerda. Certo. Mas convém não ficar por aí. Se Rafael se ajoelha perante o túmulo de Salazar, quantos se ajoelharam perante Fidel Castro após a sua morte? É que eu ouvi a mesma conversa, sem tirar nem pôr: a revolução cubana teve aspectos menos bons (como matar pessoas pelas suas opiniões, e tal), mas nada apaga a grandeza de Fidel. Poupem-me. Fidel e Salazar. Francisco Louçã e Jaime Nogueira Pinto. Rafael Pinto Borges e Miguel Tiago. Em verdade vos digo: enquanto as convicções de uns continuarem a ser consideradas moralmente superiores às dos outros, nunca seremos uma democracia a sério.

Sugerir correcção
Ler 251 comentários