O Governo “também centra todo o seu discurso no défice”

Costa não está a fazer diferente do que fez Passos, o objectivo é baixar o défice. Só que é incoerente com a campanha que fez. Primeira parte da entrevista à líder do CDS, Assunção Cristas.

Assunção Cristas foi eleita presidente do CDS há um ano, sucedendo a Paulo Portas. Assume a sua preocupação com a dívida e critica a estratégia de governação do PS. Acusa António Costa de abusar de cativações e assim prejudicar o investimento público E garante que o primeiro-ministro disse aos embaixadores o que não quis dizer no Parlamento: que estava a tomar medidas para pôr as contas sob controlo.

Nos debates quinzenais, o CDS acaba por dirigir a maior parte do seu discurso para a questão económica, com a tese de que o Governo está a deixar Portugal numa situação muito frágil, caso venha um terramoto externo. Se estivéssemos a fazer tudo de acordo com as recomendações externas, não seríamos levados na mesma?
O que me preocupa sempre no debate quinzenal é garantir que as pessoas percebem que não há uma visão exclusiva de um país cor-de-rosa, que é aquela que o primeiro-ministro tenta passar, em que tudo está bem. Tenho procurado muito ir para temas sociais. A verdade é que falo da economia e isso é necessário para dizer às pessoas que temos notícias que são positivas, certamente, mas que não querem dizer que estejamos num caminho de segurança, de solidez e de sustentação. Como é evidente, quando as questões vêm de fora atingem sempre e há coisas que não podemos controlar. Mas podemos controlar as circunstâncias em que estamos, para sermos ou menos atingidos ou termos mais ou menos defesas. Uma das questões que tenho sinalizado muito é a questão da dívida, que o primeiro-ministro desvaloriza sistematicamente. Mas vimos o que foi o problema da dívida há uns anos. No último debate, o primeiro-ministro dizia que os outros países estão a crescer. Mas se compararmos com Espanha, a diferença que tínhamos entre 2015 e agora é muito maior.

Está a falar dos juros da dívida?
As duas coisas. Há o problema da dívida, que em vez de diminuir cresce, e dos juros que se aplicam sobre esta dívida. A dívida tem vindo a ser contraída sempre a valores mais elevados. É algo que as pessoas se calhar não percebem tão bem no seu dia-a-dia, embora já tenham mais ferramentas porque já sentiram o que é a dificuldade de ter de responder às dificuldades da dívida, mas neste momento é um tema que me preocupa muitíssimo. Não adoro falar da dívida, preferia estar a falar das escolas e dos hospitais, mas é a parte do discurso económico que o primeiro-ministro não refere e que é preocupante.

Os resultados do ano passado não a surpreendem?
Não me surpreendem porque percebi o que o Governo estava a fazer. Percebi isso de forma mais ou menos clara no Parlamento, mas de forma muito clara conversando, por exemplo, com a comunidade de embaixadores que está em Lisboa, com quem o primeiro-ministro comunica e lhes diz o que vai acontecer. E o que é que lhes diz de forma muito clara que não diz no Parlamento com a mesma clareza? “Não se preocupem, porque vamos cumprir o défice e até vamos superar as nossas metas porque temos o instrumento das cativações e controlamos a despesa através das cativações.” Têm um conjunto de ferramentas que é limitado, mas têm uma que é eficaz: cortar a torneira aos ministérios. Portanto, não há, não se faz. Isso vê-se no investimento público, que caiu brutalmente para números nunca antes vistos. Aliás, o PCP e o BE nem dizem uma palavra sobre essa matéria. E as despesas correntes foram limitadas.

Não é substantivamente diferente do que o anterior Governo usou, pois não?
Não é, em algumas circunstâncias também usamos esses instrumentos. Infelizmente, digo eu, que na altura era ministra e sofria essas cativações; de repente pensava que podia fazer coisas e deixava de poder. Com uma contracção brutal da economia, apesar de tudo tentar manter um nível mínimo de investimento público era essencial para podermos pelo menos injectar alguma coisa na economia. Agora há um Governo apoiado nas esquerdas, que tem os sindicatos muito silenciados.

Mas isso permite fazer o discurso de que o caminho económico deste Governo é de esquerda, que é dramaticamente diferente e que põe o país em risco?
Posso fazer duas coisas. A primeira é explicar que passámos de um défice de 11% para 2,98%. Portanto, utilizámos estes instrumentos e todos os que tínhamos, infelizmente, muitas vezes não querendo usá-los. Segunda nota: aquilo que me compete é perguntar ao Governo o que está a fazer de diferente. Porque o Governo que nos criticava tanto por estarmos centrados no défice, hoje, também centra todo o seu discurso no défice. O tema do défice é incongruente com o que diziam antes.

O Governo fez uma opção, sacrificando isso, optou por devolver mais rendimentos aos portugueses. A direita não está a desvalorizar os sentimentos dos portugueses de que chegou essa altura?
No nosso programa eleitoral também estava prevista a devolução progressiva de rendimentos. Mais lenta, mas estava prevista. Discordo dessa ideia de que tem havido uma devolução maciça por uma razão simples: há uma devolução nalguns aspectos, mas depois há um retirar noutros. Provavelmente, não vai haver uma diminuição significativa da carga fiscal.

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