Brasileiros trocam Florida pelo Algarve nas corridas de cavalos

Vilamoura atrai cada vez mais os adeptos do hipismo. Uma jovem, filha de um casal inglês, estudou na Holanda para ser ferradora no Algarve. Os brasileiros sentem-se em casa.

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Raquel Costa / Stills

Mais de duas dezenas de cavalos — alguns a valer milhões — já foram vendidos, durante o Vilamoura Atlantic Tour 2017, a decorrer desde 14 de Fevereiro. O volume de negócios deste evento, estima o promotor da prova, António Moura, ultrapassa os 20 milhões de euros. O próximo salto de Vilamoura, adianta, “deverá ser a criação de uma aldeia hípica” com carácter permanente, posicionando a região na linha da frente da Europa neste desporto de elite.

Os desportistas brasileiros — depois dos ingleses e franceses — são os que vieram, este ano, em maior número. “Aqui, sentem-se em casa”, sublinha António Moura, lembrando que a afinidade cultural existente entre os dois países estende-se, também, ao mundo dos cavalos. Luís Filipe Azevedo Filho, de 42 anos, acrescenta mais um dado: “Vocês aqui no Algarve tem um clima maravilhoso e as pessoas são muito acolhedoras”. A Florida, nos Estados Unidos, diz, é concorrente na competição de alto nível, “mas o Algarve é diferente”.

Três centenas de cavalos, em representação de 38 países, participam neste torneio que dura seis semanas, terminando no dia 2 de Abril. Em disputa estão prémios monetários no valor de 840 mil euros.

Luís Filipe é o terceiro elemento da geração Azevedo — uma família tradicional brasileira ligada ao hipismo. Vive na Bélgica há 17 anos, participa em provas por todo o mundo, mas é com o sul e o sol de Portugal que sente afinidades. “Posso dizer que, talvez, seja este o sítio onde me sinto melhor”. Na próxima semana voa para os Estados Unidos, para dar apoio a um irmão que está a competir no Festival de Inverno de Hipismo, em Wellington, Florida. A seguir, regressa à terra onde diz sentir-se “feliz” e em casa. O filho, de 11 anos, já participa nas corridas.

Do outro lado das pistas, Liana Montgomery tem outras ambições no espaço equestre: “Quero ser ferradora”, diz. O trabalho, reconhece, é “puxado”, mas determinação não lhe falta. Quem está a ajudá-la a aperfeiçoar a arte de dar uma no cravo e outra na ferradura é o mestre Paulo Viegas, que leva quase três décadas de profissão. A jovem, de 26 anos — filha de um casal de ingleses residentes no Algarve —, esteve três anos na Holanda, onde aprendeu a “calçar” cavalos. “Tem de se ter cuidado para que os cavalos não fiquem coxos”, adverte o mestre, gabando as qualidades da estagiária. “Temos de tratar de uma ferradura que saltou”, diz Liana, tomando notas sobre o caso que lhe acaba de ser transmitido por um cavaleiro.

Cuidado com os coices

A jovem chegou a sonhar em entrar no mundo do hipismo, fascinada pelo glamour que o rodeia, mas acabou por ficar pelas margens da modalidade: “Tratadora não queria ser, para montar tinha de ter um cavalo e muita massa. Então pensei: vou experimentar ser ferradora”. O estágio com Paulo Viegas dura há cerca de três meses. Quando veio da Holanda já sabia ferrar. “Só faltava ganhar experiência”. O mestre lamenta ter “pouca escola [4ª classe]”, mas averba no currículo estágios feitos em Espanha e França, com grandes profissionais. O profissional, de 48 anos, chama a atenção para os pormenores: “Pequenas alterações [na ferradura] podem ditar o sucesso de uma prova”, explica. A estagiária completa o sentido da frase, socorrendo-se de uma metáfora: “Se uma pessoa calça o 40, não pode andar com sapatos do tamanho 45”. E quanto à forma de convidar o cavalo a levantar a pata, avisa: “Cuidado com os coices — já perdi a conta aos que levei”, diz Paulo Viegas, acrescentando que este é um ofício onde a experiência conta muito. A jovem remata: “Espero fazer disto uma profissão, se aguentar — é um trabalho duro, mas gosto”

Na região, calcula o mestre, haverá cerca de duas dezenas de profissionais deste ofício. A assistência ao torneio é assegurada por Paulo Viegas, de Loulé, e Márcio Paz, de Lagos. “Mas há quem traga o seu ferrador e veterinário privado”, salienta António Moura, lembrando que o “tour” já atingiu uma maturidade, ao nível do melhor que se faz na Europa — tem 24 provas a pontuar para o ranking da Federação Equestre Internacional (FEI). O passo seguinte, a expansão do projecto, está relacionado com o plano de ampliação do empreendimento turístico de Vilamoura, propriedade do Fundo Imobiliário Lone Star, potencial comprador do Novo Banco.

Aldeia hípica de 1,5 milhões

A criação da aldeia hípica representa um investimento de 1,5 milhões de euros “Temos de ter infra-estruturas permanentes, de modo a fazer aqui o centro de estágio número um da Europa na época de Inverno”. Metade dos cavalos estão instalados em tendas desmontáveis. A alteração para um estrutura fixa (telheiro, feito de madeira), permite a instalação de pequenos equipamentos que podem fazer toda a diferença. Exemplo: boxes com bebedouros automáticos, em vez do tratador andar a carregar baldes de água, como agora acontece. No fundo, ilustra, “significa passar-se do parque de campismo para o hotel de cinco estrelas”.

Aproxima-se a hora do almoço. A comunidade hípica dirige-se para o restaurante, altura em que se trocam impressões sobre as prestações atléticas dos animais e outros aspectos menos conhecidos da modalidade — é que, à mesa, fazem-se os negócios.

A mudança de dono do animal é antecedida de um exame completo, na clínica que foi montada para apoiar o evento. Tudo o resto segue o clássico princípio: o segredo é a alma do negócio. “Mas há cavalos que valem milhões, e alguns estão cá”, diz António Moura, responsável pela criação de equídeos no Vilamoura Atlantic Tour. O clima corre de feição para os espectadores mas não tanto para quem está em prova. Com temperaturas superiores a 25 graus, os cavalos suam em bica e os cavaleiros partilham esse sofrimento dada a cumplicidade que estabelecem com os animais.

A modalidade, reconhece Luís Filipe Azevedo Filho (descendente de um cavaleiro internacional, homónimo, vencedor de duas medalhas olímpicas) “está a ser muito elitista”. A quem entra no universo dos 30 melhores do mundo “não faltam apoios e convites”. Os outros, acrescenta, “têm de investir muito dinheiro para atingir a competição internacional de médio e alto nível”.     

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