Liberdade de expressão? Dia sim, dia não...

Ninguém concordou com o cancelamento mas...

O mais chocante no episódio do cancelamento da conferência do politólogo Jaime Nogueira Pinto na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa, no meu entender, não é a clamorosa inépcia do director da faculdade ao cancelar o evento nem a ignorância liberticida dos jovens da associação de estudantes que aprovaram uma moção no sentido do cancelamento. Sendo inaceitáveis as atitudes da associação e do director numa sociedade democrática, importa sublinhar que a favor do director abonam o seu invocado receio de confrontos físicos e o facto de, no domínio do confronto político, o seu trabalho mais recente ser o livro A mensagem política de Jeremias na crise de 609-587 antes de Cristo.

Em defesa dos jovens esquerdistas, importa lembrar que há quem veja a juventude como uma doença mas que felizmente tem cura. Não partilho, seguramente, dessa opinião, mas reconheço que a juventude, por vezes, é um problema. Neste caso concreto, os jovens esquerdistas, face a uma organização direitista, decidiram aprovar uma moção no sentido do cancelamento da conferência, nomeadamente porque os jovens de direita se referiam à descolonização pós-25 de Abril de 1974 como um trágico equívoco!

Será que para estes jovens a descolonização tem de ser aceite por todos os portugueses como tendo sido louvável e exemplar? Não há espaço público para os que consideram que a descolonização foi um erro expressarem a sua opinião? E para os que defendem que se deveria ter construído uma comunidade de nações lusas ou um Estado Federal lusitano? Quiçá com a capital a circular rotativamente por Lisboa, Luanda e Lourenço Marques? Será proíbida a expressão pública das utopias de direita? Para além dos amanhãs que cantam do comunismo, não é admissível sonharmos com os africanos a dançarem o vira do Minho do fascismo? Não se pode ter uma imensa saudade dos chineses vestidos de campinos à porta do Hotel Lisboa em Macau?

Parece que não. Segundo um dos jovens censores, identificado como militante do Bloco de Esquerda, o problema deles não era com o politólogo de direita, que até tencionavam convidar para outros debates, mas sim com facto de, no seu entender, a liberdade de expressão não é dizer tudo o que se quer!

Como é evidente, ninguém concordou com o cancelamento do evento e foram numerosos os comentadores que se pronunciaram com veemência contra esta triste negação do espaço universitário. Mas, o que mais me chocou, foi ver surgir na praça pública, como paladino da liberdade de expressão o político Manuel Alegre que veio lembrar os seus tempos de estudante em Coimbra, no século passado, em que, segundo nos informou: havia colóquios proibidos, mas isso era no tempo da ditadura. Em democracia não é possível, porque a democracia é feita de debate e de pluralismo.

Parece este político querer fazer-nos esquecer que o ano passado, após porfiados esforços, conseguiu nos tribunais portugueses  a condenação do tenente-coronel piloto-aviador João José Brandão Ferreira numa pena de multa de 1800 euros acrescida de uma indemnização de 25 mil euros por ter escrito num blogue que o militante socialista era um traidor à Pátria, tendo em conta o que considerava ter sido a actuação do cidadão Manuel Alegre como membro da Frente Patriótica da Libertação Nacional aos microfones da “Rádio Voz da Liberdade” em Argel.

Ora o que pensarão e diriam – muito provavelmente se sobre isso fossem questionados – o politólogo em causa e os direitistas jovens organizadores da conferência sobre o comportamento deste político durante a guerra do ultramar? Como classificariam o facto de Manuel Alegre na "Rádio Voz da Liberdade" com a sua tonitruante voz combater o patriótico regime de Salazar/Caetano e apoiar os movimentos terroristas, enquanto os soldados portugueses morriam às mãos dos guerrilheiros? Não entenderão eles, muito provavelmente, que foi um traidor à Pátria? E, pergunta-se (retoricamente) ao político Manuel Alegre, não podem ter esse entendimento? E expressá-lo publicamente ao abrigo da sua liberdade de expressão?

Moral da história: não se pode dizer Je suis Charlie à terças, quintas e sábados e Pas du tout às segundas, quartas e sextas, deixando os domingos para ir à caça.

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