Trump deu início à contagem final para o Obamacare

Proposta para substituir uma das grandes bandeiras de Barack Obama passou em duas comissões da Câmara dos Representantes, mas há oposição no interior do Partido Republicano: os ultraconservadores chamam-lhe "Obamacare Lite" e os moderados acham que vai longe demais.

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A votação na Câmara dos Representantes deverá acontecer até ao final do mês Yuri Gripas/Reuters

O primeiro grande teste que Donald Trump vai ter de enfrentar na cadeira mais importante da Casa Branca começou esta semana, com a apresentação da proposta que vai substituir um dos planos mais emblemáticos da Administração Obama, conhecido como Obamacare. A contra-revolução na área dos seguros de saúde nos Estados Unidos está em marcha e o mais provável é que seja bem-sucedida, embora nesta primeira fase tenha sido apedrejada por uma improvável coligação de republicanos ultraconservadores, republicanos mais moderados e democratas.

Dito desta forma, até parece que o American Health Care Act (o nome do plano para substituir o Affordable Care Act, aprovado em 2010) está condenado ao fracasso – para além da oposição interna de dois sectores do Partido Republicano, as associações de profissionais de saúde e até grande parte das seguradores ou estão ferozmente contra, ou preferiam que as coisas não mudassem, para que o sector não seja desestabilizado mais uma vez em menos de uma década.

A voz mais furiosa no Partido Republicano é a do senador Rand Paul – se depender dele, como escreveu no Twitter, a proposta está "morta à chegada" e nunca será aprovada.

Tal como os congressistas republicanos mais conservadores da Câmara dos Representantes, o senador Rand Paul considera que a proposta de Trump é uma versão reduzida do Obamacare – chama-lhe "Obamacare Lite".

Isto porque a proposta que está em cima da mesa mantém alguns pilares do Obamacare: quem já tem problemas de saúde não pode ser impedido de ter seguro; e os jovens com menos de 26 anos continuam a ser abrangidos pelo seguro dos pais. Para além disso, a nova proposta continua a impedir que as empresas de um estado vendam seguros a cidadãos de outro estado, e a expansão do programa de ajuda aos mais pobres (o Medicaid) que veio com o Obamacare vai continuar a ser financiado pelo Governo federal nos anos mais próximos.

Do lado dos republicanos mais moderados, a queixa é que a proposta tem pontos que vão ser mal recebidos nos seus estados menos conservadores – em vez de subsídios directos e não reembolsáveis para ajudar os mais pobres a pagar um seguro, Trump propõe créditos fiscais que podem ou não ser reembolsados; os cidadãos deixam de ser obrigados a ter um seguro e acaba a multa imposta pelo Obamacare; e as empresas poderão cobrar até cinco vezes mais a um idoso do que a um jovem, quando agora esse valor não pode ser três vezes superior.

Mas as duas alterações com mais impacto estão relacionadas com o programa de ajuda de cada estado aos mais pobres e com a saúde das mulheres. No primeiro caso, e apesar de as ajudas do Governo federal se manterem por agora, o objectivo é acabar com elas a médio prazo, e no segundo caso as organizações como a Planned Parenthood deixam de ser financiadas automaticamente – a Planned Parenthood já não podia receber financiamento federal para fazer abortos, mas agora vê o resto do seu trabalho em causa, dos programas de educação sexual ao rastreio do cancro e ao tratamento de doenças sexualmente transmissíveis.

Tanto o Obamacare como a proposta do Partido Republicano para o substituir só se aplicam a cerca de 10% dos 90% de norte-americanos que têm seguro de saúde – desses 90%, a esmagadora maioria tem seguro através da empresa ou do Governo federal. Segundo uma análise do jornal The New York Times, só 3% de todos os norte-americanos com seguro viram os seus prémios subir muito com o Obamacare – um valor que, a ser verdadeiro, contradiz um dos principais argumentos do Partido Republicano para acabar com o Obamacare.

Mas o processo está mesmo no começo, e os gritos e promessas de reprovação não diferem muito do que aconteceu em 2009 no Partido Democrata, quando 34 membros da Câmara dos Representantes votaram contra o Obamacare ao lado do Partido Republicano.

Nessa altura, Obama teve de assinar uma ordem executiva para garantir que a prática do aborto não iria ser subsidiada pelas verbas do Estado – uma preocupação para os congressistas do Partido Democrata que tinham sido eleitos em estados mais conservadores, e que ameaçavam complicar a passagem da lei. Desta vez, o trajecto da lei de Trump não deverá ser muito diferente – umas concessões aqui, outras concessões ali, e a maioria dos revoltosos no Partido Republicano vão acabar por entrar na linha.

O Trumpcare foi aprovado esta quinta-feira nas comissões de Orçamento e Finanças e da Energia e Comércio da Câmara dos Representantes. A primeira barreira foi ultrapassada. Falta agora a aprovação em mais duas comissões para começar a ser discutida na Câmara dos Representantes (onde os republicanos têm maioria). Se o calendário da Casa Branca for cumprido, haverá votação perto do fim do mês, e depois ficará a faltar a discussão no Senado (onde os republicanos também têm maioria).

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