Sim às várias velocidades, desde que…

Até agora, Portugal tem estado sempre na linha da frente, do euro a Schengen ou à cooperação na Justiça. Estar no “centro político” foi sempre a estratégia europeia dos dois grandes partidos portugueses.

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1. Pelo menos num aspecto a “geometria variável”, que regressou em força ao debate europeu, é útil ao Governo português: a que diz respeito às cimeiras. Em Janeiro, realizou-se em Lisboa a segunda cimeira dos sete países do Sul para acertar agulhas para o futuro. Na segunda-feira passada, os chamados “quatro grandes” (já sem o Reino Unido mas com a Espanha) reuniram-se no Palácio de Versalhes para definir prioridades, antes do Conselho Europeu de Roma, para as celebrações dos 60 anos de vida da União Europeia. A criação de um grupo informal de países mediterrânicos foi uma boa aposta de António Costa, sobretudo a partir do momento em que passou a incluir a Espanha. Basta olhar para a cimeira de Versalhes para verificar que três dos quatro países presentes (a excepção foi a Alemanha) participaram na cimeira do Sul, em Lisboa. Numa altura de profunda incerteza sobre o futuro da Europa, é importante a um país relativamente pequeno e periférico encontrar aliados na categoria dos mais poderosos. A segunda vantagem do Governo foi ter mostrado a Bruxelas (e a Berlim) que cumpre rigorosamente as metas do défice, afastando qualquer dúvida sobre o seu compromisso com a zona euro.

2. Resta o mais importante: que caminho seguir em conjunto. Os cenários de Juncker foram bem aceites em Lisboa, sobretudo como uma forma de estimular o debate e obrigar os governos a assumir as suas responsabilidades. Berlim e Paris manifestaram-se no mesmo sentido. Mas o que lhes interessa, realmente, é a abertura a uma integração a várias velocidades. Na cimeira dos quatro “grandes”, Roma e Madrid juntaram-se ao coro, mesmo que em termos ainda não absolutamente claros. Em Lisboa, embora a ideia seja “confortável”, a prioridade é clarificar os moldes em que as várias velocidades venham a ser criadas, de forma a impedir que a zona euro perca a sua centralidade ou que um “directório dos grandes” acabe por impor-se aos outros parceiros. Até agora, Portugal tem estado sempre na linha da frente, do euro a Schengen ou à cooperação na Justiça. Estar no “centro político” foi sempre a estratégia europeia dos dois grandes partidos portugueses. Desta vez, o que o Governo quer são algumas garantias adicionais sobre a conclusão da reforma da união económica e monetária, a par com a criação de uma “cooperação estruturada” no domínio da defesa. Na terça-feira, quando recebeu o ministro das Finanças francês, Michel Sapin, António Costa voltou a dizer que recusará qualquer lógica de exclusão ou periferização de países, ou “fugas em frente” sem antes consolidar o euro. A outra clarificação importante diz respeito às regras de funcionamento das várias velocidades. O Governo considera que elas devem ser feitas ao abrigo do tratado, que já contempla a possibilidade de “cooperações reforçadas” (na defesa muda o nome para “cooperações estruturadas”). Em Bruxelas, na cimeira que começa hoje, o primeiro-ministro insistirá em que as duas prioridades devem andar a par: o avanço para uma cooperação na defesa e o avanço para a conclusão da reforma da zona euro nos moldes apresentados pelo road map dos cinco presidentes (2015), que prevê a conclusão urgente da união bancária, a criação de uma capacidade financeira própria, a reforma do MEE (Mecanismo Europeu de Estabilidade) no sentido de funcionar como um FMI europeu, preparado para enfrentar choques assimétricos e capaz de funcionar como “emprestador de último recurso”, bem como uma melhor coordenação das políticas económicas (a ideia de um governo económico da zona euro, para libertar o BCE de funções que não são as suas), de forma a que haja condições para a convergência real entre os países que partilham a mesma moeda.  

3. Em teoria, não há grandes divergências entre a visão europeia dos dois maiores partidos portugueses. Paulo Rangel, vice-presidente do PPE, disse ao PÚBLICO que o maior obstáculo para as várias velocidades está na intransigência dos países do Leste, que não querem ouvir falar de tal coisa, olhando para elas como uma forma de os excluir das decisões mais importantes. O eurodeputado do PSD admite, por isso, que os eventuais avanços acabem por ser criados fora do tratado, pelo menos numa fase inicial. Rangel também referiu as divisões que hoje se registam nos dois grandes partidos europeus, o PPE e os Socialistas e Democratas, sobre o futuro da Europa, que terão o seu peso nas decisões finais. A questão seria pacífica entre os dois maiores partidos, caso não houvesse “o clima de radicalização” entre Costa e Passos que envenena qualquer debate. Mas não é só isso: Rangel chama a atenção para a ausência de demarcação clara do Governo em relação aos partidos à sua esquerda na questão do Banco de Portugal, cujo estatuto de independência tem de ser respeitado. Tem alguma razão.

4. O maior problema de António Costa está dentro da própria coligação. O debate de ontem no Parlamento não deixa lugar a dúvidas. O PCP já decidiu fazer da campanha contra o euro e a Europa o seu prato de substância para 2017, abrindo uma frente de batalha dentro da coligação que não será fácil de gerir. Se restasse alguma dúvida em relação ao BE, ela também ficou esclarecida: a insistência com que Catarina Martins descreveu a União como um projecto falhado. Falta ainda acrescentar que António Costa tem plena consciência de que, antes de terminado este ciclo eleitoral europeu, não é possível colocar algumas questões em cima da mesa, nomeadamente sobre o que fazer à dívida para reduzir o seu peso. Angela Merkel ou Martin Schulz — será um deles a dar a resposta depois de 24 de Setembro.

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