Os terríveis prazos da Operação Marquês

Gostaríamos de uma justiça mais veloz. Em vez de gritarem com o Ministério Público, gritem com o Parlamento.

Aquele senhor careca que apresenta o Isto É Matemática deveria dedicar um episódio do seu programa a estudar a correlação entre o número de vezes que um articulista se queixa da demora da Operação Marquês e o número de vezes que ele almoçou com José Sócrates entre 2005 e 2011. Desconfio que uns pingos de matemática e uns pós de jornalismo serão mais do que suficientes para descobrir uma fórmula que, a bem dizer, está à vista de todos: quanto mais paparocas, mais telefonemas e mais trocas de SMS tiverem existido com o antigo primeiro-ministro, mais artigos indignados com prazos, com mudanças na investigação e com fugas ao segredo de justiça terão sido paridos pelo articulista entre 2014 e 2017.

Embora eu não seja psicanalista, diria que no subconsciente dos articulistas e bloguistas que viveram tantos anos fascinados por José Sócrates há um desejo muito, muito grande de que a acusação dê em nada, para dessa forma redimirem uma vasta quantidade de textos deploráveis que escreveram no passado – reler esses textos hoje em dia, aliás, é uma actividade muito instrutiva, que recomendo vivamente. Só um desejo intenso de catástrofe investigativa pode justificar que alguém que acompanhe desde o início o noticiário da Operação Marquês, e tenha chegado agora aos excertos dos interrogatórios de Hélder Bataglia e Ricardo Salgado publicados pela revista Sábado, decida, depois de ler tudo isso, que o tema a necessitar de reflexão mais apurada são os prazos dilatados da investigação.

É patético. Além do tempo que a Operação Marquês está a levar ser comum a muitos outros casos de corrupção, as razões para a demora estão à frente do nariz de toda a gente. Olhem para as notícias e para as movimentações do dinheiro. Estamos a falar de milhões de euros que passaram por Suíça, Angola, Panamá, Singapura, Bahamas, Dubai. Quatro continentes: Europa, África, Ásia, América. Pelos vistos, o dinheiro só não circulou pela Antártida e os únicos que escaparam ao envio de cartas rogatórias foram os pinguins. Se para provar um caso de corrupção é preciso descobrir todos os nexos de causalidade, reconstruir a circulação do dinheiro, provar que o senhor X corrompeu o senhor Y na data Z por causa do negócio W, acham que isto se faz em quantos meses?

É claro que a Operação Marquês já dura há muito tempo e que todos gostaríamos de ter uma justiça mais veloz. Mas em vez de gritarem com o Ministério Público, gritem com o Parlamento, porque são os políticos que fazem as leis que dificultam a condenação de políticos. Se querem investigações a corrupção desta complexidade concluídas num ano e meio, há uma única opção: mudar as leis e tornar a prova do crime de corrupção mais fácil. Contudo, aquilo que vejo é uma quantidade enorme de gente a cantar de galo e a exigir três coisas em simultâneo: 1) que a corrupção seja combatida com afinco; 2) que as leis não se alterem (a delação premiada é um horror, o enriquecimento ilícito inverte o ónus da prova, e por aí fora); e 3) que os prazos que estão estabelecidos na lei passem de indicativos a efectivos, ao arrepio de toda a jurisprudência. A seriedade desta tripla exigência é nula. E mais. Sempre que ouvirem alguém a querer tudo aquilo ao mesmo tempo podem de imediato tirar uma de duas conclusões: ou essa pessoa não percebe nada de justiça, ou essa pessoa está-se realmente nas tintas para o combate à corrupção. É possível que os mais estúpidos e aldrabões acumulem.

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