O rock em expansão, sempre em expansão, dos Toy

São uma das bandas mais interessantes do cena independente britânica e actuam esta terça-feira no Sabotage, em Lisboa, e quarta no Hard Club, no Porto. Trazem consigo Clear Shot, o seu terceiro e melhor álbum, aquele em que a massa sonora imponente ganha forma de canção.

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A estreia chegou em 2012 com um álbum homónimo que, reunido à intensidade dos concertos, logo pôs os holofotes sobre a banda de Brighton DR

A canção avança no seu gingar muito luminoso, com as guitarras a chocalharem os acordes e o pé, o nosso, a marcar o compasso. A canção avança assim até que o ritmo quebra e o órgão e uns coros beatlescos enchem o espaço. Levitemos com a voz que se torna sonhadora. Ouçamo-los: “Now you’re heading for another dimension, in another time”. São os Toy, a banda de Brighton revelada como combo neo kraut-rock, noutro tempo, noutra latitude, a transportar-nos com sageza para esse espaço magnífico em que o som se torna escape para outros universos.

É tudo pop, é tudo rock, é tudo psicadelismo, é tudo artíficio, mas isto é a sério e os Toy não estão aqui para nos enganar. Como confirmaremos por estes dias, com o regresso dos autores de Clear Shot a Portugal. Os Toy, uma das bandas mais interessantes da cena independente britânica, estarão esta terça-feira no Sabotage, em Lisboa (22h30, lotação esgotada), e quarta-feira no Hard Club, no Porto (21h30, 15€, primeira parte pelos vimaramenses Toulouse, que se estrearam recentemente com o óptimo Yuhng).

TOY, em 2012, foi a apresentação: mostrou-nos uma banda criadora de rock como mancha sonora em lenta expansão, camada de som sobre camada de som até que não restasse qualquer espaço no cérebro para mais informação. Join the Dots, um ano depois, foi a continuação desse rumo – kraut-rock em (ainda mais garrido) Technicolor. Clear Shot, o álbum que apresentarão em Portugal, obrigou-nos a uma espera de três anos (com uma visita à música iraniana ou tailandesa dos anos 1970, nos EYEWITCH, uma colaboração com Bat For Lashes, pelo meio), mas nada temos a lamentar. É o melhor álbum do quinteto, aquele em que a capacidade de moldar a energia eléctrica em bruto ganha novas configurações, ganha forma de canção (ainda em expansão, claro, sempre em expansão).

Algures a rodar numa estrada espanhola a caminho das datas portuguesas, o baterista Charlie Salvidge escreve ao PÚBLICO que, enquanto compunha Clear Shot, a banda se foi nutrindo de uma dieta de “bandas-sonoras de Bernard Herrman e do film noir e muita folk inglesa dos anos 1960”. Isto, acrescenta, “além de todas aquelas coisas que ouvimos sempre: os Byrds, os Beach Boys, Velvet Underground, Stones, Beatles, Add N to X, Broadcast, Denim, Jake Thackray”. No processo, a banda deparou-se em estúdio com um aliado irrecusável. Ali encontraram um sintetizador de cordas Roland, “com um som óptimo à final de anos 1970, anos 1980”, que acabou por ser incluído em várias canções, conferindo-lhes o tom dramático, ora sinistro-mistério, ora luminoso-solar, que é marca de Clear Shot.

Como habitualmente, Tom Dougall (voz, guitarra), Dominic O’Dair (guitarra), Maxim Barron (baixo), Charlie Salvidge e Max Oscarnold (teclas), substituto de Alejandra Diaz, a teclista original, não perderam tempo. O novo álbum foi gravado em menos de duas semanas, na sequência de algum tempo passado a aprimorar canções num estúdio no coração do “Northamptonshire rural”. Período curto, mais motivado por “constrangimentos financeiros que por escolha artística”, mas profícuo. “Todos colaborámos nas dobragens, não foi o caso de um músico tocar apenas um instrumento”, explica o baterista que, no Sabotage, será também o DJ de serviço no pós-concerto. “O Dom[inic O’Dair] fez um grande trabalho de vibrafone em Fast silver e eu as partes de órgão num Farfisa. E todos ajudámos a criar os loops de fita no final de Cinema”.

A banda que veremos em Lisboa e no Porto já não é aquela que surgiu há cinco anos, sem vestígios de subtileza, qual nave kraut-rock acelerando até uma galáxia shoegaze. Descobriu novas formas de manter a intensidade da viagem, mas cobre-a de mistério de thriller, da luz do psicadelismo sonhador da década de1960, de curiosidade pelo que se esconde entre as sombras do pós-punk. Será uma óptima altura para os reencontrarmos.

Quando regressarem, é provável que já tenham mudado ainda mais a pele que vestem. “Para o próximo álbum estamos todos interessados na ideia de trabalhar no estúdio por um período de tempo mais longo”, explica Charlie Salvidge, “para vermos até onde podemos levar as canções a partir das maquetas”. Arriscamos que talvez até se aventurem, consequência da experiência nos EYEWITCH, por alguma música vinda do Oriente. “Foi definitivamente interessante pôr as mãos em algumas estruturas de canção, ritmos e progressões de acordes bizarros (para ouvidos Ocidentais), mas compor nesses estilos é difícil, a menos que sejas um yogi indonésio que toca cítara no topo de um monte há mil anos”. Compreendido. Os Toy continuarão a ser banda em transformação. Mas Brighton, e os Byrds, Bernard Herrman, os Velvet ou os Broadcast, ficam-lhes bastante bem. Como se comprova em Clear Shot, esse ainda é universo vasto o suficiente para continuar a exploração sem correrem o risco de se repetirem.

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