Erdogan furioso por não o deixarem fazer campanha pelo “sim” na UE

Há cerca de 5,5 milhões de turcos na União Europeia e a Governo turco quer ter a certeza que votam "sim" no referendo para mudar a Constituição que dá grandes poderes ao Presidente. Mas os países da UE não querem comícios de campanha e aproveitam para criticar a deriva autoritária de Ancara.

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Erdogan “foi um passo longe demais”, disse o líder da Comunidade Turca na Alemanha Murad Sezer/REUTERS

Os ministros de Recep Erdogan querem fazer, nos países europeus em que vivem as maiores comunidades dos cerca de 5,5 milhões de cidadãos de origem turca, comícios a favor do “sim” no referendo para a nova Constituição, que cria um sistema presidencialista na Turquia. Face à resistência das autoridades alemães, austríacas, holandesas, que os estão a proibir, o Presidente promete “virar o mundo do avesso” se não o deixarem ir fazer campanha.

A chanceler alemã, Angela Merkel, tentou acalmar os ânimos esta segunda-feira, depois de no domingo Erdogan ter usado a derradeira arma da ofensa contra a Alemanha, em retaliação contra a proibição de comícios de ministros turcos: “Pensei que a Alemanha tinha abandonado as práticas nazis há muito tempo, mas parece que ainda estão em vigor”.

Merkel respondeu como quem é forçada a comentar algo demasiado indecente para que seja mencionado: “Não é possível comentar seriamente declarações tão disparatados”, afirmou. “Não são justificáveis – nem durante uma campanha eleitoral para um referendo para introduzir um sistema presidencial na Turquia”, sublinhou a chanceler alemã.

Gökay Sofuoglu, o líder da Comunidade Turca na Alemanha, que reúne cerca de 270 organizações representativas dos perto de três milhões de turcos que vivem no país, 1,5 milhões dos quais podem votar no referendo de 16 de Abril, também criticou Erdogan. “Foi um passo longe demais”, afirmou o líder associativo, citado pela Reuters.

O porta-voz do Governo alemão apelou à “calma” no debate com este “importante aliado”, membro da NATO. O ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Sigmar Gabriel, é esperado na Turquia quarta-feira, para se encontrar com o seu homólogo Mevlut Cavusoglu. Os dois países “têm a obrigação de normalizar as suas relações”, afirmou Gabriel, citado pela Reuters.

Os países justificam-se com “questões de segurança” para cancelar os comícios – na Holanda, o líder de extrema-direita Geert Wilders diz estar a organizar um protesto contra comícios de políticos turcos no país. O ministro dos Negócios estrangeiros da Eslováquia apoiou a proposta austríaca de proibir as acções de campanha de políticos turcos em toda a UE. “Deve haver regras, e devem ser muito restritivas porque, como estamos a ver, há muito potencial de problemas”, disse Miroslav Lajcak – incentivando as acusações turcas de “falta de democracia na EU".

No entanto, no rol de argumentos contra a propaganda turca pelo “sim” no referendo estão também objecções ao processo de deriva autoritária na Turquia que se agravou após a tentativa de golpe de Estado a 15 de Julho do ano passado, e que vem sendo denunciada pela União Europeia.

A Comissão de Veneza, um órgão consultivo do Conselho da Europa sobre direito constitucional, divulgou um relatório na semana passada em que diz registar-se “um grave declínio na ordem democrática” na Turquia e classifica as mudanças constitucionais como “um caminho para a autocracia e um regime controlado por uma única pessoa.”

O ministro da Justiça turco, Bekir Bozdag, acusou a Comissão de Veneza de estar” a tentar influenciar a opinião pública do seu país e a encorajar votos no “não”.

O chanceler austríaco, Christian Kern, em entrevista ao jornal Welt am Sonntag, criticou directamente a revisão constitucional turca, afirmando que porá em causa o estado de direito, limitará a separação de poderes e violará os valores da União Europeia. Apelou ao fim das negociações para a entrada da Turquia na UE e ao corte dos 4500 milhões de euros em ajuda que está previsto entregar a Ancara até 2020. “Devemos reorientar as relações com a Turquia sem a ilusão de entrada na UE.”

As relações entre a União Europeia e a Turquia têm sido de dependência mútua e hostilidade crescente. O referendo está a agudizá-las. 

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