A minissérie que é sobre os últimos 50 anos, mas que é sobre hoje

When We Rise, de Gus van Sant e Dustin Lance Black, fala da luta pelos direitos das comunidades gay, lésbica, transgénero, de raça, religião e América. “Daria tudo para que a série fosse menos actual...”

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Cleve Jones, aqui interpretado Austin P. McKenzie) ABC Studios
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O que precisa de saber sobre When We Rise é que o primeiro episódio é realizado por Gus van Sant e que é criada e escrita por Dustin Lance Black, autor do guião oscarizado de Milk. O que convém saber sobre When we rise é que é uma mini-série sobre a luta contra a discriminação e a afirmação da(s) comunidade(s) gay, transgénero e dos que escapam à heteronormatividade. O que ficamos a saber com When We Rise é que já sabíamos que o tema continua tão relevante como a sua história está ainda por contar condignamente.

Convencional na narrativa, sobretudo quando sabemos que Van Sant realiza as primeiras horas — mas não tanto quando se contextualiza que a série é da ABC, canal generalista que assim se comprometeu a dar oito horas americanas à identidade sexual e às questões de género —, When We Rise estreia-se este domingo às 23h no canal por subscrição TVSéries. Dustin Lance Black baseou-se num manuscrito do activista Cleve Jones (interpretado por Guy Pearce e pelo jovem Austin P. McKenzie), que trabalhou com o deputado Harvey Milk e criou a famosa AIDS Memorial Quilt, e conta uma história de flashbacks entre 2006 e as cinco décadas anteriores. When We Rise não é só Jones, mas também outros activistas e figuras, de vários géneros e cores, como Roma Guy ou Ken Jones.

O Verão do amor em São Francisco deu lugar ao Inverno da heroína na esquina das Ruas Haight e Ashbury, os marinheiros vêm lutar contra o racismo mas também com a sua própria afirmação gay, as mulheres querem direitos mas não são reconhecidas quando querem direitos iguais e gostam de outras mulheres, os diferentes movimentos sentiram que tinham de fazer algo mas ergueram-se cada um para seu lado. Todas as vagas de luta pela igualdade de direitos encontraram diferentes fases, do primeiro reduto ao último, da radicalização à mediação, dos Black Panthers a Betty Friedan ou a quem canta com um vestido de mulher e um corpo de homem – esta é uma das verdades que nos confrontam no primeiro episódio, que o canal português mostrou numa sala de cinema como que a piscar o olho à genealogia da série. A outra é que as causas são pessoas, são olhos que lacrimejam, são lábios que tremem com medo. Ou desejo.

Alguns dos direitos conquistados ao longo de 50 anos, alguns bem recentes em países como Portugal, parecem estar em causa sob a nova presidência, lembra o The New York Times. A televisão parece não ter recebido esse aviso, ou talvez sim e produz títulos mais ou menos mainstream (de Uma Família Muito Moderna a Transparent) com a cultura queer lá dentro. Tentar fazer a História destes movimentos é sempre parcial e aqui a solução é focar o lado humano, a essência dos indivíduos – Lance Black acredita que mesmo quem votou em Donald Trump “se apaixonará por estas famílias reais e se relacionará com as suas histórias” e diz que “daria tudo para que a série fosse menos actual...”. Também preferiria, como disse depois ao Buzzfeed, não receber ameaças pelo seu trabalho nem enfrentar uma campanha que nega os abusos sobre as várias comunidades que a série retrata.

A série tem originalmente quatro episódios de duas horas, mas em Portugal passará dividida em oito capítulos. As audiências não têm sido famosas e os primeiros episódios são os mais elogiados – o PÚBLICO assistiu apenas ao primeiro. Além de muitos rostos jovens, a série tem actores consagrados como Whoopi Goldberg, Mary-Louise Parker, Rachel Griffiths, Michael K. Williams, Rosie O'Donnell e tem tanto de docudrama (usa imagens reais das décadas e movimentos que retrata) como de herdeira do formato em que a produção britânica tanto apostou e que agora parece ser o favorito da indústria americana: mini-séries, curtas, temáticas e que, num sector saturado com tanta novidade, exigem pouco compromisso – o que, no caso de When We Rise, tem todo um novo significado.

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