Gays continuam a enfrentar “obstáculos" aos seus direitos reprodutivos

Projecto de investigação aponta para obstáculos aos direitos reprodutivos. Catarina Marcelino diz que legislação sobre identidade de género deve chegar em breve ao Parlamento.

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Martin Henrik

Para a comunidade lésbica, gay, bissexual, transexual e queer (LGBTQ) a questão da parentalidade não se trata de uma “escolha”, mas sim de um “privilégio”. Esta é uma das conclusões do INTIMATE, um projecto de investigação sobre parentalidades LGBTQ coordenado por Ana Cristina Santos, investigadora do Centro de Estudos Sociais, apresentado nesta sexta-feira numa conferência internacional em Coimbra. A coordenadora fala de “restrições aos direitos reprodutivos”. A secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade, Catarina Marcelino, reconhece que é uma realidade, mas realça que a legislação da procriação medicamente assistida (PMA) foi “um avanço muito significativo”.

Catarina Marcelino disse ainda na conferência que “é preciso dar mais passos” e que em áreas de direitos cívicos “há sempre um desafio a seguir”. Mas demonstrou satisfação pelo que foi feito com a PMA.

Ana Cristina Santos reconhece que o ano de 2016 foi “muito significativo ao nível de mudanças legislativas”. A lei passou a permitir o acesso a bancos de esperma ou de óvulos a todas as mulheres, independentemente do seu estado civil ou orientação sexual, por exemplo. Contudo, “continuamos a ter obstáculos aos direitos reprodutivos de pessoas LGBTQ, nomeadamente na gestação de substituição”, as chamadas “barrigas de aluguer”, afirma.

A questão está em mudar o enfoque: “A lei de gestação de substituição é altamente restritiva, faz incidir o acesso à reprodução numa questão clínica, [destina-se] apenas a mulheres com ausência de útero ou lesão grave”, assinala Ana Cristina Santos. Ignora, assim, “o desejo parental, de ser pai ou mãe”. Isto aplica-se a Portugal, Espanha e Itália, países objecto de estudo no projecto apresentado pela investigadora do Centro de Estudos Sociais de Coimbra.

“A única forma de homens gay acederem a uma parentalidade de forma biológica é através da gestação de substituição”, nota. Mas ao referir especificamente a ausência de útero ou lesão grave, a lei faz com que a exclusão dos homens seja “bastante clara”. A solução, diz, passaria por permitir os casais de homens recorrer à gestação de substituição como acontece em países como Estados Unidos, Canadá ou Nova Zelândia.

O estudo apresentado nesta sexta-feira revelou ainda que a parentalidade de pessoas LGBTQ potencia a reaproximação com a família e amigos, mesmo quando há um histórico de não aceitação da orientação sexual: “Temos relatos de avós muito orgulhosos do seu neto ou da sua neta, portanto a criança suavizou” as relações familiares, num momento de “consolidação dos laços de afecto”.

Os resultados desta fase do INTIMATE foram apresentados ao longo de quinta e sexta-feira num colóquio no Teatro da Cerca de São Bernardo, em Coimbra. O projecto de investigação, que é financiado pelo European Research Council, teve início em 2014 e vai até 2019 e centra-se em três eixos principais: conjugalidades, parentalidades e amizades. Falta conhecer dados sobre o último eixo. Para além de Ana Cristina Santos o projecto conta com uma equipa de seis investigadores distribuídos por Portugal, Itália e Espanha.

Na conferência, Catarina Marcelino fez ainda saber que a lei da identidade de género deve chegar “em breve” ao Parlamento para discussão. A legislação, que está a ser preparada pelo Governo, introduz alterações que abarcam questões como o registo civil, a idade ou a saúde, disse a secretária de Estado à Lusa.

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