Maria João, convertida de corpo e alma ao buddismo

Com os Budda Power Blues, a extraordinária voz de Maria João brilhou com alma e convicção. O disco The Blues Experience passou com distinção na sua prova de palco, no CCB.

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Budda Power Blues e Maria João no CCB WWW.TIAGOXAVIER.PT
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Nico Guedes (bateria), Budda Guedes (guitarra), Maria João (voz) e Carl Minnemann (baixo) WWW.TIAGOXAVIER.PT

Quem segue a carreira dos Budda Power Blues, grupo formado pelos irmãos Budda e Nico Guedes em 2004, já sabia ao que ia: um trio seguro, coeso, assente no blues mas com uma costela do rock a ele aparentado (como o dos Led Zeppelin). E quem já ouviu Maria João, nas suas mil e uma metamorfoses vocais, caldeadas no jazz mas há muito desafiadoras de outros géneros, também já faria uma ideia do que era possível esperar dela no CCB, na noite de 2 de Março. Mas para quem não tinha, até agora, sabido da parceria que converteu Maria João ao buddismo eléctrico dos irmãos Guedes, terá sido uma experiência deveras estimulante.

O disco, com dez temas originais do próprio Budda (música e letras, todas em inglês), foi dado a ouvir na íntegra num Pequeno Auditório de plateia cheia, confirmando em palco a inspiração e o bom nível das composições. Mas o concerto arrancou com um tema alheio: o poderoso riff do Mannish boy de Muddy Waters, transformado por João em “mannish girl”, a provar que é uma menina crescida mas, ao mesmo tempo, a irradiar juvenilidade. Hole in my soul, do disco, antecedeu mais uma versão soberba: I’d rather go blind, que Etta James gravou para sempre na nossa memória. Com esse embalo, era impossível não dar ainda mais brilho a Troubled mind, tema que abre o disco e que no CCB soou quase eufórico. Depois, a batida desacelerou, sem desacelerar a ênfase emocional. Primeiro, com o lamento de I lost a friend e depois com Ain’t no place like home, a lembrar com ares de rockabilly o Rainy day women de Dylan. Happy birthday blues (por onde passa, pela mão de Budda, a sombra dos Beatles) tentou cativar a plateia para repetir os parabéns e teve nisso algum êxito.

Depois, a balada Excited & confused (réplica, no título, ao Dazed & confused, ou atordoado e confuso, dos Zeppelin) foi, para Maria João, um dos momentos de glória da noite. A que não podia deixar de juntar-se um outro, I feel so blessed, que Budda escreveu para ela como dádiva pela sua improvável mas triunfante parceria. O final quase explosivo desta segunda balada abriu caminho a By your side e este ao nocturno Happy days are gone, um tema entre o blues e a balada country, que João disse que gostaria de cantar um dia num daqueles clubes poeirentos do Texas. No final, ainda simulou uma dança com Budda, com a guitarra eléctrica quase prensada entre os dois. Roger, o último tema do disco a soar na noite, foi pretexto para um “duelo” voz-guitarra e para João brilhar, mais uma vez, no território que lhe é mais familiar: o do scat e do improviso vocal. Um luxo e um espanto. Que, aliás, se repetiu várias vezes durante o concerto, provando (se preciso fosse) as capacidades múltiplas da extraordinária cantora que ela é. E que, ao longo da noite, nos proporcionaram momentos verdadeiramente memoráveis.

Por fim, blues com rock ou rock com blues: Whole Lotta Love, dos Led Zeppelin, à mistura com I just wanna make love to you, um velho tema de Willie Dixon que, mais uma vez, nos trouxe à memória Etta James, que o gravou numa versão portentosa no álbum At Last! (1960). Maria João, com um timbre nos antípodas do de Etta, também aqui fez maravilhas, replicando o grito de Robert Plant de uma forma que ele jamais conseguiria. Por fim, o encore trouxe outro tema caro a Maria João: Still crazy after all these years, de Paul Simon, aqui convertido ao buddismo dos Guedes e à criatividade vocal da cantora. Aplausos de pé, para os blues, para João, para a banda – que, além dos irmãos Budda (voz, guitarras) e Nico Guedes (bateria e coros), tem agora Carl Minnemann (baixo e coros) em substituição de Pedro Ferreira, baixista que participou na gravação do disco. No final, por falar em disco, a procura foi grande. Não é todos os dias que se leva para casa um Budda assim.

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