Futuro do governo autónomo em risco na Irlanda do Norte

As sondagens apontam para um empate entre as duas grandes facções políticas. Que sentimento vai dominar: raiva ou apatia?

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O Sinn Féin recusa um novo acordo de partilha de poder antes da saída de Arlene Foster TOBY MELVILLE/REUTERS

A líder do Partido Democrático Unionista (DUP) e primeira-ministra cessante, Arlene Foster, subiu a parada do que está em jogo nas eleições desta quinta-feira para a recomposição da Assembleia da Irlanda do Norte, ao descrever a votação como “a mais importante de uma geração”. “O que está em causa é o próprio princípio de um governo autónomo do país”, sublinhou, dramatizando a possibilidade – que é real – de um novo impasse político que atire a gestão da região de novo para Londres, como aconteceu entre 2002 e 2007, quando as divisões entre unionistas e nacionalistas levaram ao colapso do executivo.

Esse cenário, avisam os analistas políticos, não pode ser totalmente afastado, tendo em conta o endurecimento das posições dos unionistas e dos seus rivais republicanos do Sinn Féin, sob a nova liderança de Michelle O’Neill. Na véspera da votação, as sondagens apontavam para um resultado muito idêntico ao de Maio de 2016, que a confirmar-se prolongará a crise política que levou à dissolução do governo e convocação de novas eleições – no momento crucial em que Londres se prepara para pôr em marcha o processo de separação do Reino Unido da União Europeia.

A Irlanda do Norte votou 56% contra o “Brexit”, que foi defendido pelos unionistas. Esse desfecho acelerou a crise política, mas não é a razão para as eleições: a instabilidade vigora desde o início de Janeiro, após a demissão do vice-primeiro-ministro (e na altura, líder do Sinn Féin), Martin McGuiness, na sequência de um escândalo financeiro e de corrupção à volta do programa de subsídios públicos às energias renováveis. O caso pôs em causa a imagem de competência de Arlene Foster, a mentora do programa, e também a sua manutenção à frente do partido unionista, mesmo no caso de uma nova vitória eleitoral.

Com o equilíbrio de forças entre as duas grandes facções políticas da Irlanda do Norte a manter-se inalterado, a única solução é o estabelecimento de um novo acordo de partilha do poder, que o Sinn Féin recusa assinar sem a saída da primeira-ministra, que recusou demitir-se do cargo após o escândalo. A postura de Michelle O’Neill é de que não pode haver eleições para ficar tudo como estava. “É impensável regressar ao statu quo. Precisamos de uma mudança drástica no DUP”, exigiu.

Arlene Foster tem-se agarrado a essa exigência para atacar os seus adversários. “O Sinn Féin devia ser claro e explicar o que a sua intransigência implica, e que é que venha um administrador de Londres decidir qual vai ser o desenvolvimento económico ou o serviço público de saúde da Irlanda do Norte”, censurou a líder unionista, que na recta final da campanha agitou o espectro do domínio de Westminster (a habitual bandeira eleitoral do DUP contra o Sinn Féin é a perspectiva do regresso da violência da luta pela unificação da Irlanda).

O Sinn Féin espera capitalizar o descontentamento do eleitorado com as medidas de austeridade e a sua fúria pelos custos do esquema de corrupção com as energias renováveis para reverter a tendência de quebra do sentimento nacionalista e crescer no parlamento de Stormont. O partido beneficia, ainda, do facto de ter defendido a permanência na EU na referendo de Maio de 2016: o sentimento anti-"Brexit" está em alta, e os norte-irlandeses podem preferir um governo mais duro para conduzir as negociações com Londres.

Segundo a imprensa britânica, o resultado depende de qual sentimento dominar os eleitores da Irlanda do Norte: a raiva ou a apatia.

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