Morreu Gustav Metzger, pioneiro e activista da arte autodestrutiva

Referência artística do século XX e precursor dos movimentos ecológicos, o artista anglo-alemão lutou ao longo da vida contra o capitalismo e a mercantilização da arte, através do movimento que ele próprio fundou.

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O artista anglo-alemão Gustav Metzger, autor do Manifesto da Arte Autodestrutiva (1959), morreu na sua casa de Londres, aos 90 anos. Filho de pais polacos, nasceu em 1926 na cidade de Nuremberga, na Alemanha, vindo a refugiar-se aos 12 anos em Inglaterra – fugindo da Alemanha hitleriana –, onde viria a residir praticamente toda a vida. Muitos dos seus familiares mais próximos, incluindo os pais, judeus, morreram durante o Holocausto, embora não se saiba se em campos de concentração – por vezes Gustav Metzger dizia que a sua arte era uma resposta à experiência de ter crescido na Alemanha nazi.

Estudou arte em Cambridge e Oxford, e no final dos anos 1950, envolveu-se nos movimentos de contestação ao capitalismo e ao consumismo e também nas campanhas de desarmamento nuclear, tendo sido detido por mais do que uma vez por desobediência civil, no contexto de protestos públicos. Insatisfeito com a arte e com os recursos utilizados para a produzir, começou a criar obras com objectos do quotidiano e materiais industriais, uma forma de reflectir sobre a obsolescência e a autodestruição que se manifestaria em trabalhos como Acid Nylon Painting (1960) ou South Bank Demonstration (1961). Criadas já depois da publicação do Manifesto da Arte Autodestrutiva, estas obras proclamavam, na sua visão, “uma nova forma de arte política e pública para as sociedades industriais”, movida pela “união total da ideia, do lugar, da forma, da cor, do método e do tempo do processo de desintegração”. Defendia que as pinturas, esculturas e outras construções autodestrutivas deviam ter um tempo de vida mínimo de um instante e máximo de 20 anos: "Quando o processo de desintegração fica completo, a obra é removida do seu sítio e destruída."

No mesmo manifesto, escrevia ainda que os artistas que viessem a realizar trabalhos segundo o método por si proposto podiam não só pedir a colaboração de cientistas e engenheiros, mas também usar maquinaria e tecnologia fabril. Estava-se no início da década de 1960 e Gustav Metzger tentava minar as convenções de um sistema artístico então dominado por figuras como Lucian Freud ou Francis Bacon. O seu activismo viria a projectar uma influência determinante sobre a criação mais radical dos últimos 70 anos. Autor de culto e precursor dos movimentos ecológicos muito antes de o mundo da arte começar a preocupar-se com a deterioração ambiental do planeta, entregou-se com grande convicção ao compromisso político, reflectindo as suas inquietações em instalações de grande escala, fotografias, performances, pinturas abstractas com ácido, esculturas desintegráveis ou projecções psicadélicas, com a maior parte dos seus trabalhos a revelar uma estética de documento, resíduo e abandono.

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Historic Photographs: No. 1: Liquidation of the Warsaw Ghetto, April 19-28 days, 1943, 1995/2011, New Museum, Nova Iorque

Muita da arte activista que hoje conhecemos inspirou-se no seu legado. A única diferença é que a obra do anglo-alemão se revelou livre do embate institucional. Esteve sempre nas margens. Em 1974 chegou mesmo a propor uma greve da arte, de 1977 a 1980, de modo a minar o sistema; uma acção que pudesse conduzir ao colapso de galerias privadas, museus e instituições culturais. Já em 2007, como resposta à cada vez maior influência das feiras de arte no mundo, lançou a iniciativa Reduce Art Flights, incentivando os artistas a prescindirem de viajar de avião.

Até ao fim da vida Gustav Metzger contribuiu para alargar os limites da arte, ao mesmo tempo que se manteve fiel às inquietações, num mundo cada vez mais dominado pelas formas mais predatórias do capitalismo, com reflexos na nossa relação com o ambiente ou com a arte. Mas, apesar da clareza das suas intenções, as suas obras nem sempre foram compreendidas. Em 2004, durante uma exposição na Tate Britain de Londres, um saco de lixo, cheio de papelão, que fazia parte de uma instalação da sua autoria foi removido por um funcionário da limpeza que o deitou fora, numa história que acabou por correr mundo.

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Acid Nylon Painting (1960)
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