Fillon mantém candidatura e abre guerra contra os tribunais

O antigo primeiro-ministro vai ser implicado na investigação à contratação da sua mulher, mas disse estar a ser vítima de uma tentativa de “assassínio político”. Discurso provocou primeiras cisões no campo de Fillon.

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Reuters/PASCAL ROSSIGNOL

Ao final da manhã desta quarta-feira, muitos davam a candidatura de François Fillon à presidência francesa como morta. Semanas antes, o candidato do centro-direita tinha prometido que se fosse acusado pelo Ministério Público pelo caso que envolve a contratação da sua mulher como assistente parlamentar, desistia. Fillon veio a público garantir que se mantém na corrida ao Palácio do Eliseu e, para o fazer, mostrou estar disposto a lançar uma guerra contra os juízes e os tribunais.

Quando iniciou a conferência de imprensa marcada para a hora do almoço – e que até o obrigou a adiar um importante ponto na agenda de campanha – o turbilhão de rumores que envolvia Fillon era capaz de ocultar a Torre Eiffel. A imprensa francesa avançava que a sua mulher, Penelope Fillon, tinha sido detida para interrogatório – o que acabou por ser desmentido – e que numa tensa reunião com a cúpula do partido Os Republicanos, o ex-primeiro-ministro tinha sido pressionado a afastar-se. Circulava ainda a notícia de que Fillon tinha sido convocado para se apresentar aos juízes de instrução para ser constituído arguido.

Para dizer que se mantém na corrida presidencial, Fillon optou por utilizar uma tripla negação, sem esconder o tom de desafio: "Não vou ceder, não me vou render, não me vou retirar." A forma combativa dominou o pequeno discurso – e promete tornar-se no modo de comunicação dominante do candidato da direita até ao dia das eleições (a primeira volta é a 23 de Abril).

O candidato confirmou que foi notificado para comparecer a 15 de Março perante os juízes encarregados da investigação para ser oficialmente constituído arguido do processo e garantiu “respeitar as instituições”. Mas, para Fillon, o caso que agora o implica de forma directa não passa de um “assassínio político sem precedentes”. Em várias ocasiões falou em “investigação encomendada”.

O escândalo estalou depois de o semanário Le Canard Enchaîné ter revelado que Fillon contratou a mulher como assistente parlamentar, cargo que manteve vários anos, apesar de haver poucas provas que mostrem que tenha realmente trabalhado. Entre 1998 e 2007, Penelope Fillon terá recebido perto de 900 mil euros brutos do erário público francês. Notícias posteriores revelaram igualmente que os dois filhos mais velhos do ex-primeiro-ministro também foram contratados, quando ainda não tinham sequer terminado os seus cursos superiores de Direito.

O antigo primeiro-ministro denunciou a “violação do Estado de Direito” e afirmou que “a presunção de inocência desapareceu”. Perante a injustiça de que diz estar a ser vítima, Fillon defende a sua candidatura, enquadrando-a quase como num combate contra o sistema judicial: “Será apenas o sufrágio universal e não uma investigação encomendada que irá definir o meu futuro.”

Direita dividida

O discurso de Fillon, mas sobretudo a sua implicação na investigação à contratação da mulher, deixaram a direita em total desorientação. O deputado e ex-candidato às primárias, Bruno Le Maire, foi um dos principais dirigentes do partido a retirar o apoio à candidatura de Fillon, criticando-o por não ter cumprido a promessa de se afastar caso fosse acusado. Segundo o jornal Le Monde, nas reuniões que manteve com as principais figuras do partido na manhã desta quarta-feira, foi de Le Maire que Fillon ouviu o pedido mais concreto para que desistisse. Atrás de Le Maire vieram outros deputados que o apoiaram durante as primárias, como Arnaud Robinet.

Uma cisão mais profunda veio da parte dos centristas da União dos Democratas e Independentes, que anunciou a “suspensão” do seu apoio a Fillon. O líder, Jean-Christophe Lagarde, remeteu para uma reunião da comissão executiva na próxima semana para que seja revelada uma decisão final quanto à continuação da parceria entre as duas formações.

A defesa de Fillon pelos dirigentes que lhe são mais próximos foi tímida, nota o Monde. A eurodeputada Nadine Morano pediu “respeito” pela sua escolha, “mesmo que não seja fácil”. O deputado Bernard Debré admitiu que o candidato está “fragilizado”, mas garantiu que em breve irá recuperar. A revista conservadora Valeurs Actuelles revelou que a candidatura pretende organizar uma grande marcha em Paris no domingo contra o “golpe de Estado dos juízes”.

A radicalização do discurso de Fillon levou até o Presidente, François Hollande, a lançar uma reprimenda pouco comum contra todas as formas “de pôr em causa os magistrados”. “Uma candidatura às eleições presidenciais não permite plantar dúvidas sobre o trabalho da polícia e dos juízes”, afirmou o chefe de Estado, socialista. As críticas de Fillon levaram também o ministro da Justiça, Jean-Jacques Urvoa, a declarar que os juízes de instrução “conduzem as suas investigações com independência, de forma colegial, com respeito pelo contraditório e pela presunção de inocência”.

O candidato do movimento centrista En Marche, Emmanuel Macron, disse defender uma política de “tolerância zero para todos” e declarou que o voto não pode ter o papel de “absolvição”. O escândalo do emprego fictício de Penelope Fillon deu à campanha de Macron um inesperado impulso, com as sondagens a atribuírem-lhe uma vitória na segunda volta das presidenciais (7 de Maio) contra a líder do partido de extrema-direita Frente Nacional, Marine Le Pen.

A líder da extrema-direita – a quem as sondagens atribuem a vitória na primeira volta, mas uma derrota no confronto decisivo – tem também estado no centro de uma investigação judicial, que levou à detenção de dois colaboradores próximos. Em causa estão suspeitas de desvio de fundos no Parlamento Europeu através do pagamento de salários a assessores fictícios. Le Pen não se pronunciou, deixando para o “número dois”, Florian Philippot, a tarefa de acusar Fillon de “incoerência”.

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