Portugal não acredita no confronto para melhorar direitos humanos

Ministro dos Negócios Estrangeiros defendeu, em Genebra, as linhas mestras da filosofia portuguesa para os direitos humanos.

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Protesto contra a pena de morte: a abolição é um dos cavalos de batalha de Portugal Lou Dematteis/REUTERS

Tão cedo Portugal não voltará a falar no Conselho de Direitos Humanos da ONU, agora que o seu mandato de três anos está a chegar ao fim. Ao discursar em Genebra, a opção do ministro dos Negócios Estrangeiros Augusto Santos Silva foi clara: expor a filosofia portuguesa.

Que tem três eixos fundamentais, como sublinhou Santos Silva na abertura da 34ª reunião do conselho, esta segunda-feira em Genebra. Dois eixos taxativos e um ambíguo.

Portugal defende de forma “intransigente” a natureza “universal, indivisível e inalienável” dos direitos humanos e acredita na importância de fazer-se uma “reflexão colectiva” sobre direitos humanos e as condições da sua aplicação universal.

O terceiro eixo é menos preto no branco. Portugal advoga a promoção dos direitos humanos pela “via político-institucional”, através do “diálogo inclusivo e não confrontacional”. Ou seja, todos os Estados são chamados a progredir em matéria de direitos humanos, "todos sem excepção". Mas como "não há Estados perfeitos", a proposta da diplomacia portuguesa é que a comunidade internacional tenha "incentivos para os Estados que progridem" e "desincentivos para os Estados que persistem em violar os direitos humanos”.

Há anos que se discute qual é a melhor abordagem para obrigar os países com registos de violações de direitos humanos mais graves a melhorarem. Dentro da União Europeia, há os que defendem uma posição mais realpolitik, que tende a subvalorizar a questão e a fechar os olhos aos atropelos; outros, em particular os escandinavos, tendem a defender a imposição de mecanismos de condicionalidade que façam depender a cooperação da boa performance nos direitos humanos.

Portugal está num ponto intermédio. “Defende uma abordagem não confrontacional”, sublinhou o ministro Santos Silva ao PÚBLICO a seguir à sua intervenção em Genebra. “Isto significa que não consideramos o pleno cumprimento de todos os direitos humanos como condição sine qua non de relacionamento e cooperação bilateral. Mas colocamos os direitos humanos sempre como uma dimensão desse relacionamento, e propomos a capacitação institucional dos Estados de Direito como uma das vertentes fundamentais da cooperação. As violações graves e sistemáticas dos direitos fundamentais constituem naturalmente motivo bastante para a ausência de qualquer relacionamento efectivo que vá além da relação diplomática formal.”

Na prática, Portugal posiciona-se como um país que valoriza os avanços no respeito pelos direitos humanos e que não quer impor condicionantes para não fechar portas a ninguém. "Queremos ter a certeza de que podemos continuar a falar com todos — incluindo os que violam os direitos humanos. Essa é a única forma de podermos continuar a recomendar que os respeitem", resume um diplomata que pediu para não ser identificado.

Na equação desincentivos versus incentivos, de um lado está o garantir que os responsáveis pelas violações dos direitos humanos serão responsabilizados pelos seus actos, através por exemplo da jurisdição internacional e, do outro, o apoio aos Estados que estão a fazer um esforço para progredir através, por exemplo, de programas de cooperação, assistência técnica e financeiras, e partilha de boas práticas.

Como é tradição há anos, Santos Silva fez um apelo ao fim da pena de morte e pediu aos países "retencionistas" que, como primeiro passo, estabeleçam uma moratória de facto. Ainda há quase 60 países que têm a pena capital, 14 dos quais são “colegas” de Portugal no actual Conselho dos Direitos Humanos da ONU, com destaque para a China, Arábia Saudita, Iraque e EUA, que estão no topo do ranking mundial da pena de morte. Este Verão, Portugal celebra os 150 anos da abolição da pena de morte.

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