A reabilitação da Baixa de Coimbra não passa só pelas casas mas também pelas pessoas

Na Baixa há problemas sociais e os comerciantes estão a debater uma forma de contribuir para uma solução.

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Diogo Baptista

Sobre os problemas que assolam a Baixa de Coimbra já quase tudo se disse. As demolições no miolo na década passada agravaram um cenário de degradação do edificado e a cidade ficou refém da definição de um sistema de transporte que tarda em surgir.

No meio do impasse, diversos agentes prestam assistência a uma população envelhecida e em várias situações de carência, numa área cujo número de habitantes tem vindo a cair. Da conjugação de todos estes factores conclui-se também que é mau para o negócio e os comerciantes da Baixa querem fazer alguma coisa para ajudar a transformar este quotidiano.

Num périplo pela Baixa em Outubro, o presidente do município, Manuel Machado, disse querer “cerzir” uma parte da cidade onde se “formou uma cratera física e uma humana”.

Agora, no mesmo sentido, Vítor Marques, da Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra (APBC), fala da necessidade de que os “comerciantes e a população em geral saibam quais são as entidades que agora trabalham no terreno e que ajudam a comunidade a minorar os problemas sociais e humanos”. Entre os problemas mais frequentemente apontados pelos comerciantes estão a prostituição e a toxicodependência.  

Foi desta ideia que surgiu o seminário “Reabilitação Humana do Centro de Coimbra”, que teve lugar na sexta-feira à noite no Teatro da Cerca de São Bernardo. No encontro, a APBC quis dar a conhecer a dificuldades que as instituições enfrentam no terreno.

O PÚBLICO falou à margem do seminário com alguns dos intervenientes. O Centro Porta Amiga da AMI, situado no Terreiro da Erva, presta apoio a quem esteja em situação de carência, de pobreza ou exclusão social e é onde Paulo Pereira trabalha há 16 anos. O director do centro não tem dúvidas, quando aponta para a requalificação da habitação e instalação de comércio como “motores” para atrair pessoas à Baixa. Mas “não é a estalar os dedos que as pessoas deixam de ter problemas”, sendo que “o impasse das obras de grande dimensão ajuda a criar estas situações”.

Os agentes para a mudança devem vir de todos os sectores da sociedade: serviços públicos, empresas e os cidadãos, que são “essenciais” para diminuir a clivagem social, sublinha Paulo Pereira.  

O vereador da câmara de Coimbra com o pelouro da acção social, Jorge Alves, entende que uma das formas de combater os problemas sociais passa pela recuperação do espaço urbano. “Criou-se uma série de chagas urbanísticas com a história da Metro [Mondego], que potenciam as chagas sociais”, diz. Neste campo, o vereador afirma que há uma “excelente rede de apoio das instituições”, mas ressalva que a câmara não é quem “tutela as intervenções”, apenas “potencia o que já existe”.

Também no Terreiro da Erva, a equipa de rua Reduz, da Cáritas, presta assistência a indivíduos com comportamentos aditivos. “Nós estamos cá porque a população está aqui”, diz Manuela Lopes, coordenadora da equipa e lembra que não foi a Cáritas que levou o problema para o centro da cidade. Foi a instituição que se instalou onde o problema era mais visível. “A rua Direita sempre esteve conotada com actividades marginais”, exemplifica. “Não foi a Cáritas que trouxe nada de novo para a Baixa”.

A instituição que distribui por ano cerca de 150 mil seringas existe para “diminuir o impacto” de um problema que a cidade “tem que resolver”. Manuela Lopes fala da criação de uma casa de injecção assistida como uma medida que ajudaria a melhorar a situação. Pelo menos contribuiria para a diminuição do lixo nas ruas, menciona.

O efeito dos centros comerciais

A população da Baixa está envelhecida, parte dos imóveis está degradada e assiste-se a um abandono de funções e serviços da zona. O professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, Paulo Peixoto, não integrou os painéis do seminário, mas tem feito da Baixa um dos seus objectos de estudo e fala numa “imagem global de degradação”.

O sociólogo e investigador refere que “são muito poucos os contextos em que existe uma revitalização humana sem que haja uma requalificação do edificado. Os espaços degradados não cativam as pessoas”.

“Tradicionalmente os programas de requalificação do edificado estão ligados a acções de revitalização, no sentido de trazer nova vida para os lugares”, explica, referindo que esse trabalho é feito de duas maneiras: “ou introduzindo funções económicas novas ou levando habitantes novos”. O que não tem acontecido no caso de Coimbra. Pelo contrário. Paulo Peixoto fala num “abandono progressivo de funções comerciais e administrativas” da Baixa. O advento das grandes superfícies comerciais a partir da década de 1980 foi retirando visitantes da zona.

A Baixa tem vindo a perder diversidade e isso traduz-se na visibilidade que os problemas sociais atinge. A zona “tem vindo a perder diversidade” e “os que ficaram, seja por serem pessoas idosas, ou muito pobres, ou toxicodependentes ou com outros problemas, essas pessoas acabam por ser muito visíveis”, explica Paulo Peixoto. A degradação das habitações contribui para as baixas rendas o que acaba também por “facilitar este tipo de fenómeno”.

O professor defende que políticas de reabilitação e promoção dos espaços públicos que já foram centrais são “completamente improdutivas” quando, por outro lado, há políticas que facilitam a abertura de grandes superfícies comerciais e que não combatem a especulação imobiliária

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