Portugal não aceita uma Declaração de Roma sem reforma da zona euro

Berlim quer deixar para trás a crise do euro e opõe-se à sua inclusão nos grandes compromissos para o futuro da Declaração de Roma, no dia 25 de Março.

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Angela Merkel Reuters

O Governo português não aceitará uma Declaração sobre o futuro da Europa, que os líderes europeus devem aprovar em Roma, no dia 25, se ela não incluir um compromisso em relação à conclusão da reforma da zona euro. Outros países pensam da mesma maneira. O Livro Branco com a contribuição da Comissão para a Declaração de Roma também. “Não faz qualquer sentido uma declaração sobre o futuro onde não caiba o euro”, disse ao PÚBLICO uma fonte diplomática em Lisboa. A reforma da UEM está por concluir, deixando ainda em aberto a capacidade de resistência das instituições a uma próxima crise que, mais tarde ou mais cedo, acabará por acontecer. Dela depende também, diz o Governo de Lisboa, a criação de condições que permitem um crescimento económico mais robusto. O problema está em que Angela Merkel não quer qualquer referência ao euro na Declaração de Roma e não mostrou até agora qualquer sinal de que pode mudar de posição. A chanceler enfrenta a mais difícil batalha eleitoral, desde a sua primeira eleição em 2005, com o SPD de Martin Schulz a subir nas sondagens. O Governo português já enviou para Bruxelas uma formulação possível para a referência ao euro, que tenta não chocar de frente com Berlim. António Costa conta com a Itália para liderar este combate que não será fácil e que tem “um enorme significado politico”, de acordo com a mesma fonte. 

A Declaração terá uma primeira parte apenas dedicada aos valores europeus, incluindo os Direitos Humanos, quando a vaga de nacionalismos e de populismos ameaça pô-los em causa. Numa segunda parte, estão expressos os compromissos europeus em relação a várias dimensões da integração, da segurança e defesa, aos refugiados, passando pelo comércio (na nova era Trump).

Não ter qualquer referência ao euro, além de não fazer sentido, seria um “sinal muito negativo”, disse António Vitorino. O antigo comissário participou na quarta-feira passada num seminário em Lisboa organizado pela Fundação Notre Europe e a Fundação Gulbenkian para debater um relatório preparado em Paris e em Berlim, precisamente sobe o que falta fazer para preservar a zona euro no longo prazo e em função de crises futuras. Levou oito meses a preparar, por uma equipa que incluiu Henrik Enderlein, director da Notre Europe em Berlim, mas também o ex-primeiro ministro italiano (e actual Presidente da Fundação), Enrico Letta, António Vitorino, Maria João Rodrigues e a austríaca Gertrude Tumpell-Gugerell. Ficou concluído em Setembro do ano passado, há tempo suficiente para os seus autores poderem hoje mudar-lhe o título. Começou por ser “Reparar e Preparar – o euro e o crescimento depois do Brexit”. Enrico Letta explicou que a situação europeia e internacional agravou-se de tal modo que ultrapassa a própria saída britânica, já de si um choque violento. Hoje, ter-lhe-ia chamado “em tempos de incerteza”.

O relatório parte do princípio “pragmático” de que não vale a pena contar com “soluções politicamente impossíveis” (leia-se, que Berlim não aceite). O ponto de partida é simples: “daqui a seis semanas, seis meses ou seis anos”, a zona euro enfrentará uma nova crise, seja ela provocada por um “choque assimétrico num país, por Vladimir Putin, pelas eleições francesas ou pela falência de um banco”. Ninguém sabe quando será. Apenas se sabe que, “na sua forma actual, o euro não é viável a longo prazo”. Não são os primeiros a dizê-lo. O relatório propõe três etapas para concluir a reforma, a primeira das quais é uma espécie de “caixa de primeiros socorros” para a eventualidade de alguma coisa correr mal no curto prazo. Assenta em duas ideias fundamentais: completar a União Bancária e dar ao Mecanismo de Estabilidade Europeu (ESM na versão inglesa) os instrumentos necessários para ser o “emprestador de último recurso”, uma espécie de FMI europeu, desempenhando as funções que o BCE teve de cumprir durante a crise para salvar o euro. Os autores chamam-lhe MEE+ e lembram que não é preciso mexer no Tratado para aumentar a sua capacidade de intervenção, mesmo que o actual Mecanismo ainda não seja um “emprestador de último recurso”, justamente porque cada país é apenas responsável pela sua contribuição. Completar a União Bancária com o seu último pilar, da garantia comum dos depósitos, é fundamental, dizem também os autores do relatório, para garantir a estabilidade do sistema financeiro, ainda muito longe de estar conseguida e uma das razões para a falta de investimento e de crescimento das economias do euro. A Alemanha opõe-se, mesmo que tenha aprovado a União Bancárias nos seus três pilares: supervisão comum, mecanismo de resolução (testado em Portugal com o BES com resultados bastante negativos) e, finalmente, garantia de depósitos. As três fases assentam na ideia de que é indispensável, mais cedo ou mais tarde, uma maior partilha dos riscos e de soberania. O problema é que, citando Enrico Letta, “a Alemanha aceita a partilha de soberbia mas não de risco e a França a partilha do risco mas não da soberania”. A recusa de Merkel tem, de resto, como explicação a visão alemã da UEM, uma espécie de regresso a Mastricht, ou seja, a um conjunto de regras que devem ser cumpridas por todos automaticamente e que não inclui qualquer transferência financeira.

Como crescer

A segunda razão fundamental para concluir esta reforma é o fraco crescimento da economia europeia, quando comparado com as outras grandes economias mundiais. O problema não é apenas português ou dos países mais afectados pela crise. O investimento na totalidade da zona euro desde o início da crise é muito inferior ao americano, estando aqui grande parte da explicação da boa performance da economia dos EUA. A razão fundamental é a falta de confiança na sustentabilidade do euro, que é preciso garantir precisamente com a conclusão das reformas. Letta lembrou também que nenhuma economia europeia está a cumprir o seu potencial de crescimento. As reformas custam dinheiro e exigem tempo. Henrik Enderlein deu um exemplo que fala por si: a única vez que a Alemanha “furou” o Pacto de Estabilidade e Crescimento (foi a primeira a fazê-lo em 2005) foi precisamente quando as reformas levadas a cabo pelo Governo de Gerhard Schroeder (1998-2005) começaram a ser postas em prática.

Numa intervenção de encerramento, o ministro das Finanças português não se afastou muito dos autores do relatório. Sublinhou a necessidade de completar a União Bancária, reforçar o MEE, coordenar melhor as políticas económicas e lembrou que a união monetária tem por objectivo “o crescimento e a convergência”. Nenhum deles está a ser alcançado. “Não devemos esperar pela próxima crise para reforçar o euro, porque haverá uma próxima crise”. A conclusão só podia ser uma: “Em Roma, os líderes têm de reafirmar a sua aposta no euro”. 

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