Cavaco diz que Sócrates interferiu em negócio da Caixa

No livro de memórias, o ex-Presidente da República diz que o então primeiro-ministro pediu ao banco público que desse uma garantia a uma empresa no negócio da auto-estrada de Trás-os-Montes.

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A auto-estrada transmontana só ficou finalizada com a abertura do Túnel do Marão este ano Paulo Pimenta

Nas confidências sobre as Quintas-feiras e outros dias, o antigo Presidente da República deixa escapar uma acusação a José Sócrates, dizendo que o ex-primeiro-ministro lhe contou que fez um pedido à Caixa para dar garantias "de avultado montante" a "uma certa empresa". Cavaco Silva não diz qual o valor da garantia, nem qual a empresa, mas diz que Sócrates lhe contou o pedido que fez à administração da CGD. Esta versão difere do que Santos Ferreira, presidente da Caixa durante o tempo em causa, disse na comissão de inquérito, negando a interferência do Governo nos negócios do banco público. 

"Quando, seguidamente, me contou que o Governo tinha pedido à Caixa Geral de Depósitos para que concedesse uma garantia de avultado montante para que uma certa empresa pudesse concorrer à concessão da auto-estrada transmontana, percebi que não tinha tido sucesso no meu esforço didáctico sobre a afectação de recursos em tempo de escassez de crédito". Com este desabafo, o ex-Presidente da República mostra que, para si, houve uma ingerência directa do primeiro-ministro num negócio da CGD. 

Cavaco Silva não identifica a empresa em causa, contudo, tendo em conta o caso, só há duas possibilidades. À concessão da auto-estrada transmontana concorreram dois consórcios liderados por duas empresas de construção portuguesas, a Soares da Costa e a Somague. A Soares da Costa teria, segundo apurou o PÚBLICO, garantias de outros bancos, incluindo espanhóis, para entrar no negócio. As garantias a que o Presidente se refere como de "avultado montante" terão sido dadas à concorrente, a Somague, que acabaria por sair derrotada da concessão.

Nas quase 600 páginas do livro, o antigo Chefe de Estado não menciona mais nenhuma interferência directa do Governo na CGD, à parte da nacionalização do BPN e do papel que o banco público desempenharia.

A existência ou não de intervenção do Governo na concessão de créditos ou nos negócios da CGD é um dos pontos de análise da comissão de inquérito (a primeira ainda em funcionamento). E foi uma das perguntas feitas pelos diferentes partidos aos presidentes da Caixa Geral de Depósitos que já foram ouvidos. 

Carlos Santos Ferreira, presidente do banco público na altura (2008), negou que alguma vez tenha sido pressionado pelo Governo para um crédito específico. "Nunca senti pressão, nunca o senhor ministro das Finanças me referiu qualquer caso de crédito que devesse ser ou não concedido", disse na audição em Janeiro.

A lista dos créditos da CGD - sobretudo aqueles com maiores imparidades - é um dos documentos em falta na comissão de inquérito à espera de uma decisão final dos tribunais. O Tribunal da Relação de Lisboa ainda não se pronunciou sobre as reclamações do Banco de Portugal e da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários e sobre o pedido de nulidade de decisão entregue pela Caixa Geral de Depósitos. As três entidades aguardam por uma decisão da Relação (se envia o caso para avaliação do Supremo ou se decide pela não aceitação das reclamações), mas deixaram a porta aberta para novo recurso ao Constitucional.

A comissão de inquérito à Caixa está, por enquanto, ligada às máquinas. Os deputados ainda não decidiram o que fazer depois de Matos Correia se ter demitido da presidência, na passada semana. A reunião acontece esta tarde e promete ser mais um momento de confronto entre os partidos, até porque PSD e CDS já anunciaram a intenção de criar uma nova comissão de inquérito centrada no período entre a nomeação e a demissão de António Domingues. Com Luísa Pinto

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