Dinamarca: um partido mais radical do que a extrema-direita

O partido de extrema-direita DPP faz parte da coligação de Governo. Alguns descontentes formaram o Nye Borgerlige, que em 2019 pode chegar ao Parlamento.

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Manifestação de militantes de extrema-direita Reuters/FABIAN BIMMER

A Dinamarca tem a sua própria versão da “geringonça” portuguesa, com o Governo minoritário de centro-direita a ser sustentado pelo apoio do Partido Popular Dinamarquês (DPP, na sigla em inglês), que se tornou a segunda força política do país nas eleições legislativas em 2015 – um cenário de governação que é comum devido ao sistema político do país, onde, desde 1909, nenhum partido consegue conquistar a maioria parlamentar sozinho. O DPP é um partido descrito como de direita populista ou, mesmo, de extrema-direita, levando o actual executivo a adoptar, por exemplo, algumas das medidas de imigração mais restritivas da Europa. Mas esta linha de actuação não foi suficiente para uma ala mais extremista do DPP.

Aproveitando esta janela de oportunidade, Pernille Vermund, uma arquitecta de 41 anos, juntou-se a Peter Seier Christensen, um engenheiro de 49 anos, para formar o Nye Borgerlige (“A Nova Direita”, segundo a tradução aproximada para português, sendo que se podem utilizar expressões como "Novos Conservadores ou "Novos Burgueses"). O nome escolhido dá pistas sobre os objectivos do novo partido: a direita dinamarquesa não tem força suficiente e são necessárias novas políticas para que os “dinamarqueses recuperem a sua liberdade”. Vermund é a líder de facto e a cara do partido.

Rebecca Adler-Nissen, professora de ciência política da Universidade de Copenhaga, explica ao PÚBLICO que como o “DPP se tornou um partido sistémico, a sua linha insurgente desgastou-se, abrindo espaço na direita para um partido com um estilo mais oposicionista e um perfil ideologicamente mais puro”. No entanto, Adler-Nisse alerta para “o exagero” em relação às previsões de sucesso do Nye Borgerlige.

O jornalista Henrik Kaufholz, actualmente no jornal Politiken, segue a mesma linha: “O Nye Borgerlige está basicamente insatisfeito com o papel do outro partido, o DPP, no lado direito do espectro político. Todos os assuntos são os mesmos, apenas um pouco mais radicais/consequentes”, diz este jornalista ao PÚBLICO.

A política não é algo novo na vida de Vermund e Christensen. Ambos abandonaram o DPP, depois de Pernille não ter conseguido lugar como deputada nas últimas eleições. Arquitecta de formação, Vermund foi eleita em 2009 para o conselho municipal da sua cidade-natal, Helsingor, pelo DPP, tendo saído da organização em 2011, numa altura em que se divorciava e ficava com os três filhos a seu cargo.

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Pernille Vermund e Peter Seier Christensen fundaram o Nye Borgerlige em 2015, mas a cara do partido é, desde o início, Vermund Facebook/Pernille Vermund

Depois surgiu a decisão de formarem um partido próprio e aqui a razão foi mais profunda: “Nós pensamos que os partidos que actualmente têm assento no Parlamento já não são verdadeiramente conservadores”, explicou Vermund ao Politico. E acrescenta que quer ir mais longe do que os partidos de direita actuais: “Nenhum dos partidos de direita existentes na Dinamarca é contra a União Europeia. Alguns deles são críticos, mas nenhum deles é crítico o suficiente para querer sair”. Fica assim lançada a pedra basilar da nova organização em relação à política europeia.

À porta do Parlamento

Nascido em Outubro de 2015, o Nye Borgerlige conta com cerca de três mil membros, tendo conseguido reunir as 20.109 assinaturas necessárias para concorrer ao Parlamento nacional nas próximas eleições legislativas, que estão marcadas para 2019. Em sensivelmente ano e meio, o Nye Borgerlige conseguiu já desbravar algum do caminho para se fazer ouvir no centro da política de Copenhaga. Algumas sondagens chegaram a dar ao partido um resultado entre os 2,6% e os 4,5%, situando-se assim acima dos 2% necessários para entrar no Parlamento.

A criação desta nova organização surge também numa altura em que partidos da mesma linhagem política, a extrema-direita, começam a dar que falar em vários países europeus. É o caso da Frente Nacional de Marine Le Pen, em França;  o Alternative für Deutschland (AfD – Alternativa para a Alemanha), que já conseguiu resultados históricos, provocando derrotas contundentes à CDU de Angela Merkel nas eleições regionais germânicas ou Geert Wilders, que lidera actualmente as sondagens para as eleições legislativas na Holanda que se realizam no próximo dia 15 de Março.

Os ideais destas organizações não diferem muito: anti-União Europeia, anti-imigração ou o nacionalismo exacerbado são as principais bandeiras. Frases como “devolver o país aos seus cidadãos” é ponto comum em todos eles. O Nye Borgerlige não é excepção: “A burocracia da União Europeia é uma ameaça directa à prosperidade, progresso e democracia da Dinamarca. É tempo de a Dinamarca se erguer e dos dinamarqueses recuperarem a sua liberdade”, lê-se no site do partido, onde se explicam as bases e visões políticas do Nye Borgerlige. A saída da Europol, a polícia europeia, é também defendida, bem como o abandono ou a reforma da Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto dos Refugiados e dos apátridas. O novo partido defende também que a “Dinamarca não deve garantir mais asilo a refugiados espontâneos que cruzam ilegalmente a fronteira” e advoga que os estrangeiros condenados por crimes sejam expulsos do país.

Henrik Kaufholz garante que a maioria da população dinamarquesa não se revê no corte unilateral com a União Europeia, mas em alguns aspectos existe um cepticismo mais ou menos generalizado: “De acordo com as sondagens, a maioria apoia a nossa associação à União Europeia, mas em muitos temas existe cepticismo. Nós não temos o euro e uma pequena maioria votou contra a Europol há um ano”. Questionada sobre se os dinamarqueses estão actualmente contra a União Europeia, a professora Rebecca Adler-Nissen não tem dúvidas: “Não, não são. A maioria apoia a União Europeia e ainda mais apoiaram depois do ‘Brexit’”. E, neste aspecto, Adler-Nissen diz que o Nye Borgerlige conseguiu “capitalizar a moderação do DPP neste tema nos anos recentes, especialmente desde que outros partidos de direita se começaram a mostrar pouco dispostos (ou incapazes) de apelar a um aumento do eurocepticismo na direita”.

Numa conferência de imprensa em 2016, e depois de ter reunido as assinaturas necessárias para concorrer às próximas eleições, Vermund desenvolveu um pouco as suas ideias para fechar as fronteiras dinamarquesas: “Queremos acabar com os processos de pedidos de asilo na Dinamarca. Por isso, queremos que os estrangeiros tenham meios de se sustentar e queremos expulsar todos os estrangeiros culpados de crimes, à primeira condenação”, citava, na altura, a Euronews.

Este tipo de propostas tem ganho, nos últimos tempos, espaço na política europeia, e não só, fundamentalmente devido à maior crise de refugiados desde a II Guerra Mundial. Com os países a enfrentarem dificuldades em gerir o processo de colocação das pessoas que fogem da guerra no Médio Oriente, os receios sobre segurança são, na maioria dos casos, o grande argumento para se fechar as portas. O Governo de Copenhaga anunciou, em 2015, uma proposta de lei que pretendia o corte para metade dos apoios estatais destinados aos imigrantes. Em 2016, a Dinamarca saltou para os jornais um pouco por todo o continente depois de decidir que todos os refugiados que chegam a território dinamarquês teriam de se deixar revistar e entregar o dinheiro ou todos os bens que possam valer mais de dez mil coroas (cerca de 1340 euros). Nesta medida exceptuava-se os objectos de “elevado valor sentimental”.

Por esta altura, uma sondagem concluía que a crise dos refugiados era a principal preocupação de 70% da população. Em 2016, a Dinamarca recebeu o valor recorde de 20 mil pedidos de asilo de refugiados, um número, porém, muito inferior ao registado na vizinha Suécia. Mesmo assim, em Janeiro desse ano, 37% dos dinamarqueses discordavam da entrega de mais autorizações de residência do que aqueles que já tinham sido distribuídos. Esta percentagem contrasta com os cerca de 20% registados, sobre a mesma matéria, no mês de Setembro anterior. Em relação à imigração, segundo as estatísticas do Governo dinamarquês, em Janeiro deste ano contavam-se mais de 570 mil imigrantes entre uma população de mais de 5,5 milhões de pessoas. No país, os muçulmananos representam 4% da população, sendo que a grande maioria (80%) professa o luteranismo.

Estas decisões são um sinal do cenário político que actualmente rege a governação. O Governo é liderado pelo partido liberal Venstre, sendo sustentado por mais dois partidos, entre os quais o DPP, de cariz populista e anti-imigração, sendo o executivo obrigado a satisfazer, pontualmente, os desejos da segunda maior força do Parlamento.

Apesar disso, a abordagem não tem sido suficiente para agradar a parte do eleitorado do DPP. Uma análise da Gallup, realizada no último mês de Novembro, demonstra que os apoiantes do Nye Borgerlige são, na sua maioria, antigos votantes do DPP. Um caso de alegado uso indevido de fundos europeus contribuiu também para que as projecções apontem que o Partido Popular possa perder 13 dos 37 deputados que actualmente compõem a sua bancada parlamentar.

Eleições locais são primeiro teste

Kaufholz diz até que é no âmbito da imigração que o partido liderado por Vermund tem conseguido reunir mais apoios, sendo “mais extremista no que toca às restrições na imigração e asilos do que o DPP”. Por isso, está a “explorar mais votos daí, não conseguindo ganhar mais do resto do eleitorado”. O jornalista dinamarquês diz também que as características de Vermund ajudam no crescimento do partido, porque é uma líder “muito elegante que é muito boa na televisão e rádio”.

O Facebook é outra das principais plataformas de comunicação do partido e da sua líder. Expondo as suas visões sobre a questão da imigração, Vermund lançou, numa publicação na rede social, a 17 de Fevereiro, uma série de perguntas aos que chegam à Dinamarca: “Se não tem a coragem para casar com um dinamarquês para aprender a língua dinamarquesa, perceber a nossa cultura e competências das pessoas, fazer parte da comunidade dinamarquesa, celebrar os festivais dinamarqueses e respeitar as normas e regras dinamarquesas, então porque é que sequer deseja a cidadania dinamarquesa?”.

Outro dos temas escolhidos pela líder do novo partido foi o Islão. Fazendo acompanhar com uma fotografia de dois homens a beijarem-se, Vermund escreveu entre aspas na mesma rede social: “’A ideologia do Islão é tão abominável, nojenta, opressiva e homofóbica quanto o nazismo’. Pela liberdade, paz e liberalismo”.

O Politico cita ainda uma entrevista de Vermund a uma televisão dinamarquesa para dizer que esta demonstrou pouca preparação em relação a outros assuntos. Em concreto, pouco disse sobre pensões, transportes públicos ou saúde.

Em Novembro, nas eleições locais, o partido terá a primeira oportunidade para medir o impacto da sua chegada. Para já o objectivo do Nye Borgerlige é ter um candidato em cada conselho local.

Sobre o futuro imediato da nova organização política, concretamente em relação à próxima legislatura governativa, Kaufholz diz que é “completamente impossível neste momento dar um prognóstico sobre a maioria do próximo Parlamento”, isto porque “a Dinamarca tem muitos partidos políticos”, o que dificulta as previsões. Mas avisa para um cenário em que o Nye Borgerlige pode fazer parte de uma eventual coligação de Governo. "Eu duvido disso", diz, no entanto, o jornalista, isto porque os partidos que fazem parte da solução governativa actual dão "más notícias dia após dia". "Não pensem que o Nye Borgerlige vai cair nessa armadilha", remata.

Adler-Nissen não acredita ainda na possibilidade de o partido de extrema-direita chegar ao Parlamento, citando sondagens que lhe conferem 1,7% dos votos, ainda insuficiente para conquistar assento parlamentar. Porém, a professora diz que “mesmo com esse resultado pode permanecer uma ameaça eleitoral para o DPP, forçando o DPP a manter a sua linha ideológica”. 

"Bairro europeu" é uma rubrica com histórias que estão um pouco fora do radar das notícias nos países europeus

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