“Sempre fui muito antibenfiquista. É um sentimento que nasce connosco”

Pedro Madeira Rodrigues admite que Bruno de Carvalho, seu adversário à presidência do Sporting, teve o mérito de romper com o “Projecto Roquette” e com uma dinastia de dirigentes que dominava o clube, mas que é ele hoje o candidato do sistema.

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Rui Gaudêncio/PÚBLICO
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Aos 45 anos, o gestor Pedro Madeira Rodrigues decidiu abandonar o bem remunerado cargo de secretário-geral da Câmara de Comércio e Indústria e apresentar-se às eleições no Sporting. Autor da produção musical “1906 – O Nosso Grande Amor”, dedicado ao clube, é um crítico feroz da gestão de Bruno de Carvalho. Garante que, se vencer as eleições, será também um sinal inequívoco de que os sócios não querem Jorge Jesus como treinador.

A crise de resultados do Sporting fortaleceu a sua candidatura?
Quando decidi avançar para estas eleições o Sporting estava em quatro frentes competitivas. A minha decisão foi completamente independente dos resultados actuais. Mas estes resultados não me surpreendem.

Surpreende-o ser o único adversário do actual presidente?
Antes de avançar, falei com muitos putativos candidatos e o que percebi era que nenhum deles estava com vontade de avançar. Não estavam contentes com o que estava a acontecer, mas com um exagerado calculismo e medo, que é uma coisa que eu não tenho. Senti que era preciso uma alternativa forte e fui-me apercebendo que era eu que a poderia protagonizar. As outras pessoas reviram-se rapidamente na minha candidatura e não me admirou nada que não tivesse avançado mais ninguém.

Reviram-se na sua candidatura, mas muitos não o apoiam…
Não publicamente, mas tenho o apoio de uma chamada maioria silenciosa. Nesta altura existe no Sporting uma cultura do medo, que tem muito a ver com a forma de actuar do actual presidente.

Em que se traduz essa “cultura do medo”?
Pode falar com as pessoas que trabalham no Sporting. Os funcionários ou os sócios a quem são colocados processos por serem contra a actual direcção. Há uma tentativa de intimidação a quem pense de forma diferente. Algumas pessoas, que foram chamadas para a comissão de honra de Bruno de Carvalho, telefonaram-me a dizer que votam em mim, mas não podiam escapar a ter o seu nome nesse documento.

Antes destes maus resultados no futebol, a recandidatura de Bruno de Carvalho era imbatível?
Nunca a vi como imbatível. Avancei porque percebi que o Sporting precisava de uma alternativa, por sentir que tinha ideias e um projecto e por ter tido sempre na minha vida profissional a facilidade de formar equipas. Estou cada vez mais confiante na vitória.

Sente-se com suficiente experiência para liderar um clube como o Sporting?
Sou um sócio de bancada que tive o privilégio, ao contrário da esmagadora maioria, de ter jogado no Sporting [camadas jovens] e isso ajudou-me a conhecer melhor o que é a cultura desportiva deste clube, com a qual cresci e que se reflectiu em toda a minha vida.

O que é exactamente essa cultura?
É uma grande vontade de ganhar, nunca ficar satisfeito com pouco, querer sempre dar mais e melhor, mas conciliando isto com desportivismo e respeito pelo adversário.

Isso não é transversal a todos os clubes?
Não, no Sporting era diferente. Agora estamos mais parecidos com os outros, por causa desta última direcção, mas eramos muito diferentes. Completamente diferente da do Benfica, que queria ganhar a todo o custo. Nós crescíamos para ganhar, mas também para sermos bons homens. É por isso que nos orgulhamos de dizer que somos diferentes.

Acha que esse género de cavalharismo romântico existe hoje entre adeptos que desesperam por títulos?
Eu temo que haja algumas pessoas que já estão por tudo e não se importam de ganhar seja de que forma for. Mas não acredito que representem a maioria. Agora, eu quero pôr o Sporting a ganhar com estes valores e sei como o fazer.

O sportinguista é, por definição, antibenfiquista?
É, mas primeiro é sportinguista. Eu sempre fui muito antibenfiquista. É um sentimento que nasce connosco. Não tenho paciência, nem gosto de ver os jogos do Benfica. Sou um anti-benfiquista a esse nível. Já em miúdo era contra o Benfica nas competições europeias, imagine. O meu pai ralhava comigo, porque era muito patriota. Mas o Benfica tem aquele estilo arrogante, que irrita muita gente. A mania das grandezas… Mas acho que as relações entre os dois clubes terão de ser de rivalidade e não de guerra.

[Algum tempo depois, volta ao tema, contando um incidente com um adepto que o acusou de ser benfiquista]

Cruzei-me em Chaves com um adepto sportinguista, que me chamou ‘lampião’. Passou-me uma coisa pela cabeça, fiquei cara-a-cara com ele e perguntei-lhe: ‘o que é que você me chamou?’ A pessoa baixou-se logo. Eu disse: ‘pode chamar-me o que quiser, que eu vou ter de respeitar, mas não me chama ‘lampião’!

Quais são os grandes méritos do mandato de Bruno de Carvalho?
Teve o mérito de romper com o chamado “Projecto Roquette” e com uma continuidade quase dinástica no clube. Mas, nesta altura, Bruno de Carvalho é o candidato do sistema, que o envolveu, nomeadamente através de José Maria Ricciardi [ex-presidente do Conselho Fiscal e ex-presidente da Comissão Executiva do antigo Banco Espírito Santo, um dos principais credores do clube]. Ricciardi sempre quis mandar no Sporting, mas nunca teve coragem de se candidatar. Esse sistema, com o qual nós, sportinguistas nos revoltámos, está outra vez a tomar conta do nosso clube. Agora, admito que o primeiro ano de Bruno de Carvalho no Sporting foi muito importante, nomeadamente ter concluído a reestruturação financeira, que foi muito bem feita. Começou a perder-se no segundo ano.

O Sporting é um clube com tiques aristocráticos?
Não. O Sporting sempre foi um clube de gente séria, de gente boa, com cultura desportiva, que é completamente transversal a todas as classes sociais. É um clube popular. Essa ideia de o Sporting ser aristocrático tem a ver com o visconde de Alvalade, que deu dinheiro para o neto formar este clube.

O Conselho Leonino [órgão não executivo], por exemplo, não é um reflexo disso?
Sim. É um grupo selecto, que tem a ver com a ideia de existirem notáveis, com que eu embirro solenemente. Eles estão todos na comissão de honra de Bruno de Carvalho. Na minha lista, também tem gente conhecida, mas são diferentes, gente boa, que quer servir o clube e não servir-se dele.

Antes de integrar a lista de Pedro Baltasar [como vogal para a direcção, nas eleições de 2011] tinha algum envolvimento com o clube? Frequentava as assembleias gerais?
Muito raramente. Comecei a fazê-lo a partir de 2011, quando me senti obrigado a dar este passo e a fazer parte de uma equipa. Antes, tinha um sentimento de afastamento das anteriores direcções em relação aos sócios. Parecia que o Sporting era um feudo, uma dinastia, com passagens de poder entre iguais. Simbolicamente, o fosso no Estádio José Alvalade era um reflexo desse afastamento entre os sócios e quem mandava no clube. Isso revoltava-me.

Quer agora acabar com o fosso física e metaforicamente?
Quero acabar com ambos. Não me revejo minimamente na anterior elite que governou o Sporting, apesar de algumas coisas terem sido bem feitas. Foi o primeiro clube a ter uma academia, o primeiro a constituir uma Sociedade Anónima Desportiva (SAD), apesar desta, infelizmente, também ter servido para afastar os sócios. Mas fomos sempre pioneiros e deixámos agora de o ser. Perdemos também a liderança ao nível da formação.

Esteve em muitas assembleias gerais depois de 2011?
Devo ter ido a umas quatro ou cinco.

Em quantas é que pediu a palavra para intervir?
[Pausa] Pedi para me inscrever em uma, mas depois estavam 100 pessoas à minha frente e, como eram duas horas da madrugada, fui para casa. Na altura, queria alertar para os riscos do que se estava a passar, nomeadamente sobre a cultura despesista que se instalou e do afastamento da nossa formação. Na última, também pedi para me inscrever, mas cheguei atrasado e já tinha passado o prazo.

Votou em José Couceiro nas últimas eleições e ele representava a continuidade em relação a um passado que critica…
Votei nele, mas ele pensa muito por ele e era um candidato independente. Admito que tinha ao lado dele muita gente das anteriores direcções, nomeadamente José Maria Ricciardi. A verdade é que fiquei muito mal impressionado na primeira vez que conheci Bruno de Carvalho, em 2011.

Como foi esse primeiro impacto?
Era uma pessoa que não olhava a meios para atingir os fins. Foi desamor à primeira vista. Mas, em 2013 [nas eleições], achei que o Sporting estava a precisar de um abanão. Mas ele esteve em campanha eleitoral nos últimos quatro anos. Ele precisa disto, ao contrário de mim, do ponto de vista pessoal e financeiro e confessou isso mesmo numa assembleia geral: ‘não me deixem cair, porque fora daqui não arranjo trabalho. Eu preciso disto para sobreviver.’

Também faz um balanço negativo da gestão desportiva para o futebol?
Claro que sim. O que é que ganhámos nos últimos quatro anos? E ainda mais com a aposta financeira que foi feita nos últimos dois anos. Ficámos muito aquém das expectativas. Estivemos perto do título na temporada passada, mas também o estivemos com Paulo Bento como treinador e com muito menor investimento. Imagine se lhe tivéssemos dado as mesmas condições que foram dadas a Jorge Jesus. Eu vou dar muito melhores condições ao meu treinador. Agora estamos a gastar 60 a 70 milhões no futebol profissional.

Qual é o orçamento que considera ideal?
Com 50 milhões de euros seremos campeões. É preciso o Sporting ter um equilíbrio fundamental entre as receitas e despesas operacionais. É isso que exigimos. Depois, se quiser reforçar a equipa com jogadores, vou ter de vender outros. É este equilíbrio que o Sporting não está a ter e tem sido necessário antecipar receitas dos próximos anos, algo que Bruno de Carvalho sempre criticou quando não era presidente.

Antes de Jorge Jesus ter integrado a comissão de honra de Bruno de Carvalho elogiou-o bastante, qualificando-o como o melhor treinador português…
Eu disse que era o melhor treinador a trabalhar em Portugal. Disse que era um excelente treinador e que era o nosso treinador, mas não fui além disso. Ele tinha renovado contrato e não partiria de mim uma tentativa de o afastar sem o conhecer e sem saber se ele se conseguiria enquadrar no nosso projecto. No momento em que ele diz que apoia uma candidatura…

Foi um gesto precipitado em termos de gestão anunciar que não iria contar com os seus serviços, tendo em conta que existe um contrato em vigor?
Do ponto de vista negocial foi fortíssimo o que eu fiz. Não me coloca numa posição de fragilidade, pelo contrário. Se isto implicar uma solução jurídica e se eu não tivesse feito nada (e obviamente aconselhei-me com um advogado) poderia ser acusado de não ter marcado uma posição quando tinha de o fazer.

Insiste que não foi um erro?
Não, foi uma decisão tomada em consciência, para precaver uma eventual situação em que Jorge Jesus venha a anunciar que quer integrar o meu projecto. Ele não vai continuar, se eu vencer. O que eu acho estranho é o actual presidente ter renovado o contrato com o treinador, muito para além do seu mandato, por uma soma elevadíssima, com um vencimento superior a todos os treinadores da I Liga juntos. É incompreensível. Se eu ganhar as eleições, é sinal que os adeptos do Sporting não querem lá este treinador. Ele já ganhou muito dinheiro para os resultados desportivos que rendeu. E depois tem aquela maneira arrogante, que eu identifico com o nosso rival [Benfica]: trata mal os adversários, chama a si as vitórias e culpa os outros pelas derrotas.

Tem um bom trunfo para treinador do Sporting?
Tenho em análise um lote de três treinadores, um português, um argentino e um Europeu. Vou apresentar o nome antes das eleições.

Irá tirar o “coelho da cartola” no debate a dois, na Sporting TV, no dia 23?
[Sorriso] Não lhe vou adiantar, mas posso dizer que temos tudo muito bem pensado. O que posso dizer é que hoje [quinta-feira, de manhã] ainda não temos nada fechado, mas já só estou a falar com aquela pessoa que eu quero, embora os três sejam nomes fantásticos. A comunicação social tem lançado nomes para o ar [Marcelo Bielsa, Paulo Fonseca, Vítor Pereira, por exemplo], mas não está a conseguir acertar. Só eu e outro elemento da minha equipa sabemos os nomes.

[Neste momento, interrompe a entrevista para ir atender uma chamada telefónica em outra sala do andar na Rua Braancamp, onde está instalada a sede de campanha, regressando pouco depois com uma novidade]

Vou agora a uns países árabes.

Vai ao Médio Oriente reunir-se com investidores?
Sim, aos Emirados Árabes Unidos (Dubai e Abu Dhabi) e Kuwait. E, se calhar, por causa desta nossa conversa, tenho de ir a outro sítio, mas será para tratar de um assunto que tem a ver com futebol. Poderá haver uma outra reunião que não seja só com investidores.

Vai também apresentar jogadores para reforçar a equipa antes das eleições?
Não é o meu estilo. Isso é demasiado eleitoralista. É como pré-inaugurar um pavilhão antes de estar realmente inaugurado.

Esses encontros com potenciais investidores árabes envolvem a Academia?
Sim, quero que a Academia volte à posse do Sporting, porque neste momento está em nome do BCP [através de um leasing], mas terá também a ver com namings. Ainda que as contas actuais do clube preocupem muito os investidores.

Que investimento estará aqui em causa?
Cerca de 14 milhões de euros e vamos ser muito transparentes quando anunciarmos em que moldes entrou este dinheiro. Os investidores serão conhecidos brevemente. Quero também garantir que o Sporting mantenha a maioria do capital da SAD e, para isso, teremos de encontrar maneira de encontrar os 67,5 milhões de euros para adquirir as VMOC [Valores Mobiliários Obrigatoriamente Convertíveis, neste caso em acções da SAD] que estão na posse dos bancos, até 2026. Também por isso, teremos de fazer uma gestão muito equilibrada, ao contrário do que acontece agora.

É um amante de futebol?
Adoro futebol e gosto do jogo pelo jogo.

Será presidente da SAD?
Sim, serei. Sei o suficiente de futebol para ter uma discussão seja com quem for. Mas não sei ainda o suficiente para gerir um clube e vou ter de ter um director desportivo.

Como idealiza a estrutura para o futebol?
Estrutura é o que não existe no Sporting, com queixas do próprio Jorge Jesus. Aquilo que quero implementar terá o presidente da SAD no topo, que serei eu, e irei trabalhar com um director desportivo ou coordenador para o futebol (ainda não está fechada a pessoa que poderá ocupar este cargo). Depois haverá uma sintonia grande entre nós os dois e o treinador, que irá também falar muito comigo. Quem decide sou eu, mas planifico tudo com este director desportivo, como os objectivos anuais. Depois vamos ainda ter duas figuras-chave nesta equipa, que já estão seleccionadas e aceitaram integrar o meu projecto: um director para a prospecção, que tem falhado tanto no Sporting, e um team manager, que irá trabalhar junto do plantel, junto ao balneário, para resolver tudo da vida dos jogadores e dar-lhes moral.

Com o que é que os sportinguistas podem contar caso vença as eleições?
Podem contar com uma liderança criativa, sempre na frente e com ideias novas, para bem do nosso futuro. Podem também contar com uma liderança muito mais discreta, onde os nossos ídolos serão os jogadores e as equipas técnicas. E vou estar na retaguarda. Estou no topo da minha forma física e mental. O Bruno de Carvalho já teve a sua oportunidade e falhou. O Sporting vai ganhar muito com a seriedade e transparência que vamos trazer ao clube.

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