“Fake news”, um sério obstáculo à democracia

Quando aliado ao entusiasmo político da opinião pública o aparecimento de artigos a favorecer o seu lado, as pessoas são motivadas a “acreditar” em factos totalmente falsos para fortalecer e propagandear a sua cor política, sem tomar em conta as implicações de partilhar certos artigos que se podem tornais virais

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Neste período pós-eleitoral das presidenciais norte-americanas e do referendo à permanência do Reino Unido na União Europeia (Brexit) e pré-eleitoral das eleições presidenciais em França e parlamentares na Alemanha, um tema de grande relevância em destaque é a propagação de notícias falsas, as fake news, através das redes sociais (Facebook, Twitter, etc.).

É verdade que, ultimamente, na nossa observação casual e diária dos social media deparamo-nos com a imensa facilidade de tornar virais artigos completamente falsos. O facto de estes posts se tornarem virais pode ser maioritariamente atribuído a dois factores:

- quando aliado ao entusiasmo político da opinião pública o aparecimento de artigos a favorecer o seu lado, as pessoas são motivadas a “acreditar” em factos totalmente falsos para fortalecer e propagandear a sua cor política, sem tomar em conta as implicações de partilhar certos artigos que se podem tornais virais;

- a falta de informação e de entendimento de algumas classes sociais. Isto não pode ser levado como uma crítica a individuais, mas é de conhecimento comum que certas classes da sociedade estão fragilizadas no que toca à interpretação de certas peças de informação. Aqui incluem-se, por exemplo, pessoas com idade mais elevada que têm hoje acesso à internet e mais dificuldade em distinguir o que é real ou irreal. Pode parecer ofensivo, mas isto tem de ser assumido. Em contraste, os millennials tiveram uma educação paralela à evolução da internet. A clareza dos conteúdos online aos olhos de distintas classes da sociedade difere, e isto não é assumido.

No entanto, não basta identificar razões que motivam as fake news a tornarem-se virais. Para além das pessoas que fazem estas ideias falsas tornarem-se virais, existem as pessoas a tirar partido do esquema e a criarem estes conteúdos. Essas pessoas merecem ser criticadas e identificadas, mas é preciso entender o que motivou o aparecimento espontâneo de tamanho conteúdo falso online. Para isso, é preciso analisar o fenómeno de evolução dos media na divulgação de conteúdo na internet.

É verdade que são agora os média os principais críticos a denunciar este problema. Mas não serão eles parte do problema? Dois exemplos de como os sites dos média ajudaram a modelar a internet nos últimos tempos: 

- os títulos cativantes e persuasivos para “arrancar o clique”. A revolução da internet trouxe um problema grave aos média —como monetizar o negócio online quando os meios tradicionais estavam em queda. Tirar partido da publicidade para proporcionar artigos grátis é ainda hoje a solução mais explorada. Mas para que a publicidade seja rentável é preciso que haja muitas visitas ao site do meio de informação. Uma das formas mais eficientes explorada para cativar internautas foi a utilização de títulos incompletos, cativantes e enganadores, de forma a motivar o “clique” nas redes sociais. Isto fez com que a internet fosse educada desta forma e abriu portas ao aparecimento de muitos mais sites de “caça-cliques”. Este nicho motivou pessoas a criarem posts hilariantes, chocantes e maioritariamente falsos, para terem visitas record, ganhando dinheiro com publicidade;

- a polarização do meio de comunicação e do próprio jornalista. O código de conduta do jornalista é, hoje em dia, cada vez mais desrespeitado. Os meios de comunicação acham-se donos da opinião e não são imparciais a passar a informação e os factos. A maior parte dos artigos e reportagens têm embutida uma tendência e o próprio entrevistador cada vez mais controla a entrevista para deixar explícita uma posição. Isto passou a ideia às pessoas de que afinal a verdade não é tão objectiva e de que cada um podia construir a sua própria verdade. Interpretando factos de forma tão livre e publicamente, especialmente das fontes de informação das quais esperávamos total imparcialidade e que tomávamos como referência, torna-se cada vez mais difícil distinguir o facto da opinião, e o correcto do errado.

O tema fake news é de tal forma importante que está a fazer as gigantes tecnológicas, como o Facebook, a Google e a Apple, admitirem o problema e abrirem investigações à procura de uma possível solução para limitarem a propagação de informação falsa sem comprometerem a liberdade de acesso à informação. Mas enquanto não identificarem as principais causas do fenómeno das notícias falsas não vão poder curar este problema. As fake news podem mesmo ser um sério obstáculo à nossa democracia.

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