Nos Screaming Eagles, são os adeptos que definem o guião dos jogos

Através de uma aplicação, os fãs do clube de futebol americano indoor, da região de Salt Lake, decidem, por votação, os comportamentos dos jogadores dentro do campo.

Fotogaleria
DR
Fotogaleria
DR

Na maioria dos desportos, muitos são os treinadores de bancada que gostam de dar indicações para dentro do terreno de jogo, mas a verdade é que esses gestos não têm consequências práticas. No recinto dos Salt Lake Screaming Eagles, porém, o caso muda de figura. Decidir as acções dos atletas durante o decorrer de uma partida é algo que está ao alcance dos fãs da equipa de futebol americano indoor que milita na Indoor Football League (IFL), uma competição que decorre em pavilhões de tamanho semelhante aos de hóquei no gelo. Mas como é que isso funciona?

É caso para dizer que os fãs têm o destino da equipa na mão. As decisões são tomadas em tempo real, a partir de uma aplicação para smartphone, que permite aceder à página do jogo em questão e escolher uma de várias jogadas predefinidas. Concluída a votação, o treinador transmite a jogada mais votada ao quarterback, que depois a transporta para dentro de campo. Como o futebol americano prevê paragens entre cada jogada, este tipo de interacção não corre o risco de interferir com o ritmo das partidas.

A ideia de dar aos adeptos a hipótese de terem controlo sobre o jogo nasceu, inicialmente, da mente de Grant Cohen, em 2007, altura em que reflectiu sobre a possibilidade de, em conjunto com amigos, comandar o rumo de uma equipa. “Nós não conseguíamos tirar a ideia da cabeça”, revelou Cohen.

O grupo de amigos transformou, então, essa intenção num website chamado “Project Franchise”. O objectivo era comprar uma equipa de uma modalidade ainda a determinar e dar as rédeas aos adeptos. Mas os obstáculos que se levantaram a um projecto de difícil execução acabaram por fazer esmorecer o entusiasmo inicial.

Até que, em Junho de 2015, Sohrob Farudi, com experiência de direcção na Arena Football League (outra liga de futebol americano praticado em pavilhão), contactou com Grant Cohen, após ter lido um artigo no The New York Times que falava do “Project Franchise”. Farudi juntou-se ao projecto e a ideia original evoluiu para uma empresa de desporto e tecnologia. O nome também sofreu uma mudança, ainda que mínima: caiu o “r” de “Franchise” e capitalizou-se o “Fan”, ficando “Project FANchise”.

O que é que motivou Sohrob Farudi a aderir à ideia? “Eu estava sempre no sofá, a jogar Madden [um vídeojogo em que o utilizador controla uma equipa da NFL], a decidir jogadas e a pensar por que é que eu estava a gastar dinheiro em cerveja e bilhetes para jogos”, confessou o empresário, citado no The New York Times.

Farudi tornou-se director executivo do “Project FANchise” e Cohen ficou com a área de media digital, numa equipa que conta também com o ex-defesa da NFL Ray Austin. Porquê a escolha? “Queremos que os fãs aprendam mais sobre o jogo, que o percebam e sejam capazes de tomar as decisões benéficas para a equipa a longo prazo”, explicou Farudi. Juntos, compraram uma vaga na IFL, em Salt Lake City (a cidade foi escolhida por votação), no estado do Utah.

Apesar da liberdade concedida aos adeptos, há medidas tomadas para evitar a desordem. A solução chama-se “FanIQ”, um sistema que permite desempenhar funções de acordo com o nível do utilizador: se for “Starter”, pode escolher a mascote da equipa; se for “All-Pros”, pode ajudar a escolher jogadas; se for “Hall of Famer”, pode ter voto em matérias como escolher o treinador, jogadores, estratégia de jogo e direcção.

A escolha de jogadas, essa, também é condicionada. O treinador William McCarthy, que também foi escolhido por votação, constrói um plano de jogo: “No fundo, continuam a ser as minhas jogadas”, explica o técnico, que depois disponibiliza na aplicação de telemóvel o plano para votação durante o jogo. Quando a equipa está a atacar, o adepto tem 10 segundos para escolher uma de seis jogadas que McCarthy designou para essa situação específica.

“Como treinador, continuo a ter o meu plano de jogo. Mas em vez de ser eu a tomar as decisões, vamos sujeitá-las a um modelo de crowdsourcing”, descreve. McCarthy sente-se claramente à vontade com a situação. Mas e os jogadores? “Estamos a acolher a ideia”, asume o quarterback Verlon Reed, reconhecendo que os colegas ainda estão a “tentar perceber” a nova experiência.

Na quinta-feira passada, foi dia de estreia para os Salt Lake Screaming Eagles, mas o jogo não correu da melhor maneira. A equipa recebeu os Nebraska Danger e perdeu por 78-47, mas há quem não se tivesse importado com isso. “Eu acho que para já é uma audição para os fãs”, afirmou Michael Sommers, que escolheu jogadas a partir de Miami, onde vive. “Os treinadores já tiveram oportunidade de conhecer os jogadores, mas nós, adeptos, não”. 

Texto editado por Nuno Sousa

Sugerir correcção
Comentar