A tensão entre a velha e a nova Turquia

Gaye Su Akyol tornou-se o nome obrigatório em todas as (muitas) listas que pululam pela internet de nomes a ter em conta na nova música turca.

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Uma estrela instantânea num país em relação conflituosa com as tradições seculares

Desde que lançou o seu álbum de estreia, Develerle Yasiyorum, em 2014, Gaye Su Akyol tornou-se o nome obrigatório em todas as (muitas) listas que pululam pela internet de nomes a ter em conta na nova música turca. Afirmando-se herdeira de um estilo de canto vindo de lendas nacionais como Asik Veysel, Ruhi Su, Müzeyyen Senar ou Selda Bagcan, a flagrante originalidade da cantora era apresentar-se rodeada de músicos formados na mais indisfarçada escola do rock ocidental, sem negar os trejeitos arábicos que lhes entravam pelas guitarras nem a adopção natural de outros compassos que não o do sacramental 4/4.

A combinação cirúrgica entre estes dois mundos tornaria Gaye Su Akyol uma estrela instantânea num país enfiado num dilema permanente com a sua aproximação à Europa e em relação conflituosa com as tradições seculares. A sua música, na verdade, assumia-se como banda sonora perfeita para a tensão entre o antigo e o moderno, e resolvia-se numa espantosa, sedutora e misteriosa justaposição entre os dois planos.

O muito justificado burburinho foi de tal ordem que a fama de Gaye rapidamente transcendeu fronteiras e, em 2016, chegava ao festival de Roskilde, meses antes de publicar o seu segundo álbum. Na altura, em palco havia de brincar com o facto de Develerle Yasiyorum significar qualquer coisa como “vivendo com camelos”, um exercício paródico com os clichés e as ideias estapafúrdias criadas pelo mundo ocidental acerca do que significa viver na Turquia. Boa parte desses delírios colectivos está agora condenada ao colapso com a edição de Hologram Imparatorlugu, cujo entusiasmo generalizado a levou já às páginas da Wire ou do Financial Times.

A provocação quanto ao que será a música turca repete-se nos segundos iniciais do disco, com Hologram a arrancar com cordas de evidente travo arábico, mas logo acompanhadas pelo rumor de uma guitarra eléctrica que se encarregará de borrar a pintura tradicional. As tonturas provocadas pelo tom surf rock, desértico e psicadélico da sua banda – os membros dos também muito recomendáveis Bubituzak, mais dados a uma extravagância instrumental que faria as delícias dos grupos-satélite de Mike Patton: ouvir com urgência Boyutlar – voltam a aproximar os ouvidos do mundo da música contemporânea turca, depois de os Baba Zula, há uma década, terem conseguido furar a escala nacional.

Só que há um charme em canções como Akil olmayinca, Fantastiktir bahti yarimin ou Eski tüfek que os Baba Zula nunca conseguiram alcançar. Talvez porque os seus (óptimos) álbuns sempre pareceram desenhados com um traço mais grosso, querendo vincar uma modernidade que em Gaye Su Akoyl nunca tenta escapar de uma situação mais frágil e tensa, mas também por isso mais envolvente.

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