De que tem medo o PS?

António Costa não é, felizmente, Sócrates, nem na seriedade, nem no modo de fazer política, mas este seu nível de argumentação, é igualzinho àquele que tivemos de suportar entre 2005 e 2011.

Confrontado com o anúncio da constituição de uma nova comissão de inquérito à Caixa Geral de Depósitos, desta vez abarcando o período da administração de António Domingues, o Partido Socialista respondeu de imediato com um ataque preventivo. Carlos César afirmou que o PS não irá aceitar diligências numa futura comissão que desrespeitem “o que diz a Constituição”, pois “o cumprimento da lei não está confinado às conveniências políticas”. Adoro quando os políticos enchem a boca de grandes princípios apenas para justificar intenções rasteiras. Traduzindo por miúdos, aquilo que César quer dizer é apenas isto: o PS vai fazer tudo o que estiver ao seu alcance para que nunca seja conhecida a troca de SMS entre António Domingues e Mário Centeno.

Ora, até mesmo para quem, como eu, acredita que o que aconteceu na Caixa foi uma série de equívocos que acabaram por tomar uma dimensão catastrófica, e que no início deste processo ninguém estava realmente mal-intencionado, este fechar de linhas do PS em torno de Centeno (e de Costa? e de Marcelo?), com o auxílio do Bloco e do PCP, querendo impedir a todo o custo um direito de escrutínio e vigilância que é obviamente uma das tarefas fulcrais do Parlamento, já começa a pisar a linha vermelha daquilo que é democraticamente aceitável. Como ontem lembrou o CDS, ainda há uma semana o PS garantia, todo impante, que as acusações que recaíam sobre o ministro das Finanças eram uma “montanha que pariu um rato”. Há dois dias, quando PSD e CDS viram bloqueada a sua tentativa de aceder aos SMS, com o argumento de que a actual comissão de inquérito não se debruçava sobre a administração de António Domingues, Carlos César convidou a direita a criar uma nova comissão potestativa, para averiguar esse período. Agora que essa comissão é anunciada, regressa o argumento de que o acesso a comunicações privadas é inconstitucional.

Comunicações privadas? Mas quais comunicações privadas? Trocas de SMS sobre assuntos de Estado, entre o presidente de um banco público e o ministro das Finanças são comunicações privadas porquê? Por serem feitas por um telemóvel muito provavelmente pago com os nossos impostos? E por mail já não são privadas? Num smartphone de última geração, qual é realmente a diferença entre um mail e um SMS? Ou ainda se exige papel de 25 linhas, carta registada e o timbre do Ministério das Finanças para uma comunicação ser declarada como oficial? Esta discussão é patética. Só falta o PS invocar Marshall McLuhan e fazer cartazes a anunciar: “O meio é a mensagem”. Sim, o PSD e o CDS agarram-se à Caixa por politiquice, porque encontraram uma brecha na muralha governativa fácil de atacar, ainda que o assunto tenha pouca relevância para o futuro do país. Chama-se a isso “estar na oposição”.

Mas aquilo que o PS está a fazer chama-se obstrução política, uma espécie de filibuster tuga com o único objectivo de impedir que o Parlamento e os portugueses saibam aquilo que têm o direito de saber. Mais. Tendo em conta os seis anos de José Sócrates, e a opção de António Costa em reintegrar vários dos seus ministros, o PS tem particulares responsabilidades em questões de transparência. António Costa não é, felizmente, Sócrates, nem na seriedade, nem no modo de fazer política. Mas esta atitude do PS, e este seu nível de argumentação, é igualzinho àquele que tivemos de suportar entre 2005 e 2011. Mais disso não, muito obrigado. Já chega. Quanto mais o PS quer esconder, mais nós queremos saber.

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