Cunhado do rei condenado no caso que desencadeou abdicação

A absolvição da Infanta Cristina, “um leve consolo”, não apaga o abalo provocado à monarquia pelo processo de corrupção. Seis anos depois, o novo rei recuperou o povo.

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Iñaki Urdangarin e Cristina de Borbón numa sessão do julgamento ENRIQUE CALVO/REUTERS

Confiante na absolvição da sua cliente, o advogado da Infanta Cristina admitia sexta-feira de manhã que a sentença do caso Nóos abriria “um precedente histórico”, tratando-se “da primeira vez que um membro da Casa Real se senta no banco dos réus”. Lida a sentença, absolvida Cristina e condenado o seu marido a seis anos e três de prisão, confirmavam-se as palavras de Pau Molins.

Iñaki Urdangarín foi condenado pelos crimes de prevaricação, desvio de fundos, fraude, tráfico de influências e crimes fiscais. De repente, o precedente já não é “sentar-se no banco dos réus”. Urdangarín foi afastado pela Zarzuela ainda não tinha sido formalmente acusado, mas não deixa de ser cunhado do rei; é a primeira vez que um familiar do monarca é condenado em tribunal. Um “precedente” não só em Espanha, sublinha a imprensa espanhola, mas em qualquer casa real europeia.

Cristina de Borbón, irmã do rei Felipe VI, foi absolvida de qualquer crime fiscal, mas se quiser ver o marido ao longo dos próximos anos é provável que tenha de o visitar na prisão – o casal conheceu a sentença em Genebra, destino escolhido para o exílio provocado pelo “martírio” (a palavra foi usada em 2013 pelo chefe da Casa Real para descrever o efeito dos três anos de instrução do caso Nóos na monarquia).

O tribunal de Palma de Maiorca vai decidir na próxima semana se Urdangarín será já preso ou se permanece em liberdade até ao recurso e à sentença final do Tribunal Supremo. O procurador Pedro Horrach considera “seriamente” pedir a prisão imediata, admitindo que a gravidade da pena “implica um certo risco de fuga”.

O mesmo deverá suceder com o ex-sócio do marido da infanta no Instituto Nóos, Diego Torres, sobre quem recaiu a pena mais pesada, com oito e meio de prisão e uma multa de 1,7 milhões de euros por fraude, tráfico de influências e branqueamento de capitais. O terceiro réu com pensa de prisão no processo é o único político condenado, Jaume Matas, antigo dirigente do Partido Popular e presidente do governo autónomo das ilhas Baleares, condenado a três anos e oito meses de prisão por prevaricação e fraude. 

Urdangarín, ex-jogador Olímpico de andebol, fundou em 2003 o Instituto Nóos, uma fundação desportiva supostamente sem fins lucrativos que afinal celebrou contratos com municípios, cobrou serviços que não realizava e passou facturas falsas, com o agora condenado a usar o seu estatuto na família real para obter estes contratos. Parte do dinheiro desviado foi transferido para uma sociedade detida por Urdangarín e Cristina, a Aizoon, e serviu para pagar gastos do casal – é por isso que a Infanta tem de pagar uma multa de 265 mil euros, a título de responsabilidade civil por benefícios indevidos. 

Este processo coincidiu com o auge da contestação à monarquia. No início de 2014, a popularidade da Zarzuela descia para os 37%, ao mesmo tempo que 83,4% dos espanhóis criticava a gestão que a Casa Real fazia do caso, 70% dos via motivos para acusar a Infanta e 90% considerava que a justiça não é igual para todos. Houve mais episódios, como a caçada luxuosa de Juan Carlos no Bostwana, em plena crise e com o país em risco de pedir um empréstimo internacional. Em Junho de 2014, o rei abdicava a favor do filho para assim salvar a monarquia.

Estado de direito

Ao chegar ao trono, Felipe VI retirou à irmã o título de duquesa de Palma, tendo mantido o afastamento que o pai já lhe tinha imposto perante a sua recusa em distanciar-se do marido. A Infanta também recusou abdicar dos direitos de sucessão. As consequências - para si e para a monarquia - já não podem ser apagadas com a absolvição, “um leve consolo” para uma situação em que "o melhor cenário era mau", escreve o El País.

Passaram dois anos e meio e os inquéritos de opinião indicam que o novo monarca começou a reconquistar os espanhóis e a recuperar a imagem da instituição a que preside. Uma sondagem de Janeiro da SocioMétrica para o jornal El Español dá 6,4 de nota à monarquia e 7,3 ao próprio rei.

Mais importante, escreve o El País em editorial, é que com as sentenças do caso Nóos “fica demonstrado que o Estado de direito funciona e que ninguém está acima da lei” em Espanha. Isto “face aos que garantiam que ninguém se atreveria a julgar um membro da família real”. Enquanto a sentença era lida nas Baleares, em Madrid, Felipe e a rainha Letizia inauguravam uma exposição no Museu Thyssen-Bornemisza de Madrid, tranquilos e alheios às notícias, e do Palácio assegurava-se apenas "o absoluto respeito pela independência do poder judicial".

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